Experiencias de Justiça restaurativa em livro orienta sobre ação de paz nas unidades prisionais

Neste artigo Decildo Ferreira Lopes e Maxuel Pereira Dias autores do livro Justiça restaurativa na execução penal: um manual para aplicação de círculos de construção de paz em unidades prisionais, lançado pela Paulus Editora no ano que a Pastoral Carcerária completa 50 anos a obra escrita pelo Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Decildo Ferreira Lopes e pelo Bacharel em Direito, Maxuel Pereira Dias lança luzes no horizonte da execução penal.

A aplicação de círculos de construção de Paz em unidades prisionais

Decildo Ferreira Lopes e Maxuel Pereira Dias

Os anos de 2018 e 2019 marcaram a expansão da Justiça Restaurativa na Comarca de Goianésia-GO, em razão, principalmente, da construção de meios para vivência do ideal restaurativo no sistema prisional.

Naquela época, já havíamos consolidado parceria com a Pastoral Carcerária local e a unidade prisional de Goianésia já se destacava no cenário estadual como um modelo no campo dos projetos de reintegração social, tratamento humanizado dos internos e parceria com a sociedade organizada. No Poder Judiciário local, o Projeto Além da Punição desenvolvia uma série de ações voltadas à construção de uma cultura de que a justiça criminal não devia se limitar ao aspecto repressivo, obtendo também significativos resultados[1].

Todas as semanas, por exemplo, a Pastoral Carcerária intermediava reuniões entre a equipe da Vara de Execuções Penais e familiares de pessoas presas, o que possibilitou, além de um espaço para que essas pessoas pudessem apresentar suas demandas, uma oportunidade para acessar as reais necessidades dessa parcela dos jurisdicionados e, a partir daí, moldarmos as nossas competências para melhor atendê-los.

Todavia, mesmo diante desse contexto, o ambiente prisional, em especial os valores que orientavam o convívio intramuros, ainda não eram propícios para gerar expectativas reais de que o tempo de prisão pudesse de alguma forma contribuir para a prevenção da criminalidade. Do contrário, a cultura do crime, a violência e a lei do mais forte ainda orientavam fortemente as relações internas e, seguindo o que já ocorria no cenário nacional, os focos de facções criminosas começavam a se estabelecer.

 Foi exatamente nesse cenário, após a capacitação da equipe da Vara Criminal como facilitadores de círculos de construção de paz, que decidimos dar esse importante passo. A assimilação do ideal restaurativo também permitiu que essa nova experiência fosse implementada sem os vícios do modelo utilitarista, segundo o qual a execução penal tem por finalidade a ressocialização da pessoa presa, à espécie de um tratamento ao qual este é submetido. Assim, ao contrário de uma ação que considerasse o interno como objeto de intervenção do Estado, os círculos de construção de paz foram planejados e executados para representarem um movimento de proteção contra os aspectos negativos do modelo prisional, em especial aqueles característicos do sistema prisional brasileiro.

  Com relação à metodologia, importante alguns registros gerais, para o leitor que tem nesta oportunidade, seu primeiro contato com o tema.

Os círculos de construção de paz, principal metodologia de Justiça Restaurativa no Brasil, são espaços seguros para o estabelecimento do diálogo e para o compartilhamento de experiências entre os participantes. Suas bases são a empatia, a escuta ativa, o respeito e o sigilo. Nos círculos, não há hierarquia, todos são iguais em reconhecimento e valor. A forma circular representa essa ausência de subordinação, assim como a infinitude das reflexões que podem ser originadas dos círculos de construção de paz. Na estrutura, dois objetos são de suma importância: um objeto da palavra, que ajuda a equalizar os momentos de fala e escuta, e um objeto de centro (ornamentos), que funciona como catalizador de olhares e promove a integração do grupo. Por fim, a figura do facilitador, pessoa com experiência na vivência dos círculos, auxilia a condução da dinâmica sem, entretanto, exercer qualquer papel de autoridade.

O que se propunha era a criação de espaços seguros para o desenvolvimento de reflexões importantes sobre temas afeitos à vida no cárcere e à construção de opções de superação do ciclo do crime e de adesão a um conjunto diferente de valores, que pudessem, desde já, impactar positivamente a vida dos participantes. Os círculos possuíam temas variados, que iam desde a promoção do autoconhecimento até as projeções para o futuro pós-cárcere.

Os participantes receberam de modo muito positivo a iniciativa e, rapidamente, as vagas foram preenchidas, tendo a demanda se mantido sempre crescente.

No tocante aos resultados, embora ainda haja muito a se aprender e espaço para aprimoramento, a avaliação que fazemos, a partir da vivência dessa experiência, é muito positiva. Possível, assim, defender que a aplicação de círculos de construção de paz em unidades prisionais pode alcançar os seguintes objetivos:

  • servir como ferramenta para construção de um novo padrão de relacionamento entre os internos (e entre eles e a administração penitenciária);
  • representar um contraponto aos aspectos negativos do sistema prisional;
  • criação de um terreno propício para o desenvolvimento (futuro) de processos restaurativos, cujos resultados possam impactar na execução penal do participante;
  • retirar o apenado da posição de objeto de atuação do Estado para assumir o papel de protagonista na construção do seu futuro;
  • promover reflexões sobre a sua parcela de responsabilidade pela situação em que se encontram;
  • trabalhar a necessidade de restauração dos danos causados;
  • promover o resgate do amor-próprio e o fortalecimento da autoestima.

Após o período de paralisação das atividades, em razão das restrições sanitárias da pandemia do novo coronavírus, as atividades foram retomadas. Mais uma vez, com a parceria da Pastoral Carcerária (que em Goianésia conta com agente capacitado para a realização de círculos de paz) conseguimos expandir o alcance das ações, que hoje são realizadas em outras três unidades prisionais da região. 

Foi a experiência e satisfação na realização dessa iniciativa que deu origem ao livro “Justiça Restaurativa na Execução Penal: um Manual de para a Aplicação de Círculos de Construção de Paz em Unidade Prisionais”, de nossa autoria. Descrevemos desde a preparação e a logística necessária até a efetiva aplicação dos círculos, apresentando também um panorama sobre os objetivos perseguidos com a aplicação da Justiça Restaurativa na Execução Penal.

Em síntese, a obra busca responder aos seguintes questionamentos: Quais fundamentos justificam a ação? Quais arranjos institucionais foram necessários para a viabilização da prática? Como aplicar? Quais benefícios esperar da iniciativa?  Ademais, como não poderia faltar, o livro conta com roteiros para aplicação dos círculos especificamente criados para esse público, além de observações que podem funcionar como uma bússola para futuros facilitadores que venha a realizar os círculos em Unidades Prisionais.

É um livro, portanto, para aqueles que acreditam que a pacificação social não deve ser buscada exclusivamente (ou prioritariamente) por meio da repressão, como infelizmente ainda ocorre na política criminal brasileira. É também uma forma de compreender como o ideal restaurativo pode nos orientar na construção de um outro paradigma para abordarmos os conflitos sociais.

Por fim – e aqui estabelecendo uma interseção com o trabalho da Pastoral Carcerária – a experiência detalhada no livro demonstra que a Justiça Restaurativa pode servir também como instrumento de ampliação e aprimoramento das ações que já são realizadas. Ademais, dada a capilaridade da pastoral, que, sem dúvida, atende a um número significativo de unidades prisionais no Brasil, a sua adesão ao ideal restaurativo renova as esperanças de construção de uma cultura menos orientada pelo paradigma punitivo e pelo desejo de vingança, estabelecendo as bases para a substituição do atual modelo de gestão do conflito.

O sonho de um mundo sem cárceres se tornará cada vez menos utópico, à medida em que desenvolvermos (ou, segundo alguns, recuperarmos) a capacidade de lidar com problemas, hoje inseridos no âmbito de alcance do direito penal, de um modo mais eficiente. Nesse cenário, a nossa ideia de justiça estará menos vinculada a nossa capacidade de infligir ao ofensor um mal proporcional à violação realizada (vingança/punição) e mais próximo daquilo que represente as necessidades das pessoas (comunidades) envolvidas, para restauração (ou minimização) dos danos causados.

[1] O projeto foi vencedor do concurso nacional de boas praticas do Fórum Nacional de Juízes Criminais (edição 2019)

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