Do descarte ao acolhimento
Ir. Darlei Zanon – Religioso Paulino
No seu vídeo do mês de setembro, o Papa Francisco apresenta e questiona algumas contradições do nosso tempo, convidando-nos a rezar pelos “invisíveis” da sociedade.
O Papa chama a atenção de todos nós para um problema histórico, mas que tem se agravado na sociedade contemporânea: a indiferença. Ao mesmo tempo em que o ambiente digital e as novas formas de comunicação, sobretudo as redes sociais, permitem uma superexposição de pessoas e situações, por outro lado essas mesmas redes excluem tudo o que considera “desagradável”, feio, pouco atrativo. Tratam com indiferença um grupo muito grande de pessoas, por não serem “comercialmente interessantes”. No seu vídeo do mês, o Papa indica categorias de pessoas que se tornaram invisíveis por questão de pobreza, dependência, doença mental ou deficiência, mas se pensarmos bem existem tantas outras pessoas excluídas dos perfis digitais maquiados e inflados por diversos estratagemas comerciais a fim de atrair e cativar.
Superexposição, de um lado, que ofusca e ignora a invisibilidade, de outro. Em modo mais concreto, Francisco exemplifica essa contradição falando da “cultura do descarte”, tema já abordado em tantos outros discursos e documentos, um dos eixos centrais de suas críticas sociais e categorias teológicas. Somente um antídoto é eficaz para sanar essa cultura do descarte, segundo Francisco, e ele revela esse remédio no vídeo de setembro: a “cultura do acolhimento”.
“Concentremo-nos no acolhimento; em acolher todas as pessoas que precisam; a cultura do acolhimento, de receber, de dar um teto, de dar um abrigo, de dar amor, de dar calor humano”, enfatiza o Sumo Pontífice. Importante recordar que acolher não é simplesmente ajudar, é muito mais. Criar uma cultura do acolhimento significa dar dignidade a todas as pessoas que sofrem algum tipo de exclusão. Segundo as Nações Unidas, 10% da população mundial vive em situação de pobreza extrema, com dificuldade para satisfazer necessidades básicas, como saúde, educação e acesso a água e saneamento. Uma em cada cinco crianças vive em situação de pobreza; uma em cada seis pessoas sofre algum tipo de deficiência física, sendo que cerca de 80% delas não tem emprego; uma em cada oito pessoas sofre de algum tipo de problema mental, sendo a depressão e a ansiedade os mais frequentes. São dados alarmantes, ligados à cultura do descarte que o Papa tanto critica. Por isso, promover, ao contrário, a “cultura do acolhimento” significa devolver a esperança a milhões de seres humanos.
Um gesto muito concreto do Papa Francisco para a edificação da cultura do acolhimento foi a instituição do Dia mundial dos pobres, no fim do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, em 2016, através da sua carta apostólica Misericordia et Misera. A motivação para tal iniciativa é expressa na própria carta: “Será um Dia que vai ajudar as comunidades e cada batizado a refletir como a pobreza está no âmago do Evangelho e tomar consciência de que não poderá haver justiça nem paz social enquanto Lázaro jazer à porta da nossa casa (cf. Lc 16, 19-21). Além disso este Dia constituirá uma forma genuína de nova evangelização (cf. Mt 11, 5), procurando renovar o rosto da Igreja na sua perene ação de conversão pastoral para ser testemunha da misericórdia”.
Logo na sua primeira mensagem para este Dia, o Papa destacou o tema “Não amemos com palavras nem com a boca, mas com obras e com verdade”, inspirado na primeira carta de João (1Jo 3,18). Para o ano 2023, o tema é “Nunca afastes de algum pobre o teu olhar” (Tb 4,7), inspirado neste personagem pouco conhecido do Antigo Testamento (Tobias), mas que tem muito a nos ensinar hoje em relação às obras de caridade e no combate à cultura do descarte. Na mensagem para o Dia dos pobres, que será celebrado no dia 19 de novembro próximo, o Papa recorda que: “Vivemos um momento histórico que não favorece a atenção aos mais pobres. (…) Os pobres tornam-se imagens que até podem comover por alguns momentos, mas quando os encontramos em carne e osso pela estrada, sobrevêm o fastídio e a marginalização. A pressa, companheira diária da vida, impede de parar, socorrer e cuidar do outro. A parábola do bom samaritano (cf. Lc 10, 25-37) não é história do passado; desafia o presente de cada um de nós. Delegar a outros é fácil; oferecer dinheiro para que outros pratiquem a caridade é um gesto generoso; envolver-se pessoalmente é a vocação de todo o cristão.”
A intensão de oração do Papa para este mês de setembro, apresentada através do vídeo do mês, convida-nos a entrar nesta dinâmica “contracorrente” de dar visibilidade aos excluídos e marginalizados, de passar da cultura do descarte à cultura do acolhimento. Por isso, acompanhemos o Papa, rezando “para que as pessoas que vivem à margem da sociedade, em condições de vida desumanas, não sejam esquecidas pelas instituições e jamais sejam consideradas descartáveis”.