‘Dos atos autodestrutivos à passagem ao ato suicida: nessa escalada, o que é possível de ser evitado?´

No mês de setembro dedicamos o dia 10 como o ‘Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio’. Assunto delicado e até tabu em muitas culturas, porém extremamente necessário de ser abordado e enfrentado.

JuliaraOulart – Psicicologa

No âmbito da Saúde Mental, profissionais como médicos clínicos, psiquiatras, psicólogos e outros, enfrentam diariamente a realidade de alguém que cometeu um ato autodestrutivo grave e até mesmo a evidente tentativa de suicídio, podendo, nesta última, ocorrer também o óbito, ou seja, o êxito do objetivo de morrer por sua conta própria, mesmo tendo chegado ao hospital. Os primeiros que chegam para esse enfrentamento são os socorristas,os maqueiros, os enfermeiros, o clínico geral e, após eles, chegam os especialistas da ‘área psi’ (sobretudo o psiquiatra e o psicólogo).

As motivações que levam ao ato suicida ou sua tentativa são variadas e individuais, subjetivas, as quais só podemos ter acesso no tratamento psicoterapêutico com o sobrevivente de tal ato. No entanto, existem fatores da ordem do desequilíbrio mental, síndromes e doenças mentais que corroboram para que o sujeito decida-se por esse caminho de interromper a sua vida. As principais doenças mentais são, sobretudo, as que afetam os humores de forma grave como a euforia, a depressão ou a oscilação de uma à outra. O conforto emocional de uma certa estabilidade dos afetos, não ocorre nesses sujeitos. As emoções são intensas, persistentes, causando sofrimento psíquico com raros momentos de trégua. Dessa forma, provocadificuldade da clareza no discernimento racional para as decisões e para o risco de perigos. Esses sujeitos tornam-se vulneráveis e desamparados de si mesmo. Entretanto, existem sujeitos que não necessariamente estão acometidos desses estados, mas atentam contra a própria vida.

Embora nem sempre seja muito evidente, ao ato suicida, ou sua tentativa grave, precedem vários atos autodestrutivos. E é exatamente por essa trajetória de atos autodestrutivos que podemos sugerir algo da ordem de uma prevenção ao suicídio.

Durante o período que desenvolvi minha dissertação de mestrado, efetuei uma pesquisa clínica com adolescentes sobreviventes de atos suicidas frustrados, ou seja, sem o alcance do êxito buscado.

O mestrado deu-se na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) em ‘Teoria e Clínica em Psicanálise’ durante o período de 2001 a 2003. A pesquisa teve como método o atendimento clínico e a troca de conhecimento com outros profissionais da Saúde Mental. Realizou-se no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também conhecido como IPUB. Os adolescentes tinham entre 12 e 15 anos, meninos e meninas, sendo todos tendo sido socorridos na emergência de hospitais que atestaram uma real tentativa de morte por si mesmo.

Nessa pesquisa clínica por dois anos e, paralelamente, a minha experiência no consultório particular com adolescentes, fez-me perceber quantos atos autodestrutivos foram cometidos antes da decisão do ato derradeiro de matar-se.

Outra importante observação foi de que esses atos começaram cerca de três a dois anos antes e que eram como uma escalada de gravidade cada vez maior até culminar com o ato autodestrutivo que seria o último da vida.

Os atos iam desde se colocarem em perigo propositalmente, em trânsito a pé ou de bicicleta, provocar brigas físicas , sobretudo na escola ou condomínio, as quais a certeza de terem provocado alguém maior e mais agressivo garantia, ao final, machucados intensos e desmoralização social entre as demais pessoas (uma atitude masoquista física e moral), excessos de todo tipo, incluindo álcool, eventualmente maconha, sempre para que adultos familiares ou professores percebessem os odores, depois praticaram mutilações com cortes ou queimaduras, para alguns o sexo iniciado bem cedo e sem cuidados, e, para todos, depois veio o silêncio, a evitação dos encontros familiares, não ter mais excessos aparentes, mas um enclausuramentoem seu quarto, não encontrar-se com os amigos e, por fim, a passagem ao ato suicida.

Enquanto o jovem (mas serve para o adulto também!) estiver ‘chamando a atenção’, ele está pedindo ajuda, limite, ser cuidado. Quando esse apelo é interpretado com o ‘chamar atenção’ para aborrecer, retirar os adultos das suas atividades corriqueiras, ou seja, atrapalhar, borrecer-se com essas atitudes, desqualificando e não levando a sério, o que resta é oagravamento dos atos autodestrutivos. É um pedido para ser visto e socorrido de algo que internamente vai ficando cada vez menos suportável. O sofrimento psíquico é causado por uma angústia que vai tomando o ser do sujeito a um estado dilacerante. A atitude aparentemente passiva e o isolamento que a segue é o período que o sujeito acalma porque decide acabar com a dor, mesmo que isso acabe com ele. Esse período de ‘incubação’ é o período do planejamento.

Pergunta-se: O quê é possível evitar ou ter como algo da ordem da prevenção ao suicídio?

Seja uma pessoa, da idade que for,temos que levar à sério quando recorrentemente alguém ‘chama a atenção’. Todo o excesso do que for, seja álcool, comida, sexo, descuidos com os perigos, e os todos já acima citados, são sinais visíveis de pedido de ajuda. Todo o excesso de silêncio e evitação de sociabilidade, em casa ou fora de casa, já é desistência de pedir ajuda. Não traz mais problemas, não altera a rotina dos adultos, mas também nem mais os adultos existem para ele e nem ele para os adultos, basta sumir com o corpo.

Na prática hospitalar, na clínica psiquiátrica e na clínica psicológica, sabemos que quando alguém decide que não quer mais viver, nada a impedirá de cometer o suicídio, a começar que não dará sinais visíveis, pois não pede ajuda de nada. No entanto, a grande maioria dos sujeitos pedem ajuda visivelmente por meio dos atos autodestrutivos físicos e morais. Dar atenção a quem ‘chama a atenção’ pode ser a grande oportunidade para que o sujeito seja visto, ouvido e encaminhado aos especialistas da Saúde Mental. Ainda dará tempo de salvar uma vida dando-lhe a atenção tão intensamente pedida.

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