Psicanálise, Fé e Saúde Mental

Rawy Chagas Ramos, –  Psicanalista

. Ao longo dos anos, atuando em hospitais em Caraguatatuba e aqui no Rio no Andaraí e Vila Isabel, e também em consultório, venho testemunhando o impacto profundo do suicídio, não só sobre o indivíduo que tenta ou consuma o ato, mas também sobre suas famílias, comunidades e a sociedade em geral. O suicídio é um grave problema de saúde pública mundial, afetando de forma significativa não só as relações interpessoais, mas também trazendo consequências econômicas e sociais.

Infelizmente, o suicídio ainda é um tabu na nossa cultura. Esse estigma impede que abordemos o tema de forma aberta e técnica, sem julgamentos morais, o que dificulta a criação de métodos eficazes de assistência. Muitas vezes, nos deparamos com a ideia equivocada de que o suicídio está unicamente relacionado a um transtorno mental ou a uma “loucura” irremediável. No entanto, essa visão é reducionista e desconsidera a complexidade emocional envolvida.

Na minha prática como psicanalista, vejo o suicídio como uma expressão de um conflito interno intenso, onde o sofrimento emocional atinge níveis tão profundos que a pessoa não consegue ver outras alternativas senão acabar com sua própria vida, sua autoaniquilação. Mas o que realmente deseja matar?

Sigmund Freud, em sua obra “Luto e Melancolia”, já apontava para esse movimento psíquico: muitas vezes, o suicídio representa a agressividade que a pessoa não consegue exteriorizar e que, então, volta-se contra si mesma. É uma tentativa de lidar com uma dor emocional insuportável, onde o eu se confunde com o objeto perdido, seja uma pessoa, uma situação, ou até uma parte de si mesmo.

Essa visão psicanalítica nos ajuda a compreender que o suicídio é um fenômeno multifacetado, influenciado por fatores emocionais, sociais e espirituais. E é aqui que a fé pode ser um grande recurso. Como capelão, também me deparo com questões que tocam o âmago da espiritualidade humana.

O suicídio, na tradição cristã, sempre foi considerado um pecado gravíssimo, pois vai contra o dom sagrado da vida, como até legislado em alguns cânones, não de forma direta, no Código de Direito Canônico de 1917. Naquela época, havia restrições quanto ao sepultamento em solo sagrado para aqueles que tiravam a própria vida. A Igreja Católica, em sua sabedoria pastoral, sempre reconheceu que a vida é um dom de Deus, e que a busca pela morte, por mais que possa parecer uma solução para o sofrimento, não é o caminho para a redenção ou a verdadeira paz.

A intenção da Igreja ao evitar o sepultamento desses indivíduos nos terrenos sagrados não era, de maneira alguma, uma condenação sem compaixão, mas sim uma tentativa de prevenir o que chamamos de “contágio moral” — ou seja, a ideia de que glorificar ou romantizar a morte voluntária poderia, de certo modo, encorajar outros a trilhar o mesmo caminho. Era uma forma de proteger a comunidade de uma cultura que poderia valorizar o sofrimento ou a destruição como um fim em si mesmo.

A Igreja Católica, em sua sabedoria pastoral, sempre reconheceu que a vida é um dom de Deus, e que a busca pela morte, por mais que possa parecer uma solução para o sofrimento, não é o caminho para a redenção ou a verdadeira paz. Ao negar o sepultamento em solo sagrado, a Igreja pretendia sublinhar a gravidade do ato e incentivar uma reflexão profunda sobre o valor da vida, a necessidade de conversão e o arrependimento.

No entanto, o Código de Direito Canônico de 1983 adota uma postura mais pastoral, levando em conta as condições e complexidades psicológicas e emocionais que podem levar alguém ao suicídio, oferecendo uma visão mais compassiva e acolhedora. Como comunidade cristã, é nosso dever apoiar uns aos outros em tempos de sofrimento, ajudando a todos a encontrar a esperança e a fé na providência divina, ao invés de buscar soluções desesperadas que apenas conduzem à morte.

Hoje, ao invés de condenar, a Igreja busca acolher e compreender. A Igreja exerce um ministério de compaixão, oferecendo acompanhamento espiritual e psíquico para aqueles que estão sofrendo e para suas famílias. A postura rígida de outrora deu lugar a uma prática pastoral de misericórdia e compreensão, reconhecendo a fragilidade humana e o papel da Igreja em ser um porto de acolhimento e cuidado para todos.

Contudo, o que permanece imutável é o ensino fundamental de que a vida é sagrada, e que cada pessoa é chamada a viver plenamente, mesmo em meio às dificuldades. Como comunidade cristã católica, é nosso dever apoiar uns aos outros em tempos de sofrimento, ajudando a todos a encontrar a esperança e a fé na providência divina, ao invés de buscar soluções desesperadas que apenas conduzem à morte.

Acolher e compreender é o mesmo princípio se aplica na psicanálise: a escuta empática e o acolhimento são fundamentais para que possamos oferecer o suporte necessário para aqueles que estão em sofrimento. Falar sobre o suicídio, sem medo ou preconceito, é o primeiro passo para quebrar o silêncio que cerca o tema. Essa escuta, sem julgamentos, permite que a pessoa em sofrimento encontre novas maneiras de lidar com sua dor e, quem sabe, redescubra o sentido de viver.

A prevenção ao suicídio deve ser um esforço coletivo, que envolve tanto a saúde mental quanto a espiritualidade. É um chamado para todos nós, profissionais, familiares, e membros da comunidade, estarmos atentos e dispostos a acolher o outro em sua vulnerabilidade, ajudando a ressignificar o sofrimento e a reconstruir pontes para a vida.

Neste Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio, convido todos a refletirem sobre a importância do diálogo aberto, da empatia e do cuidado mútuo. Falar sobre o suicídio pode salvar vidas, e juntos podemos construir uma rede de apoio mais forte para aqueles que estão passando por momentos de crise.

Se você ou alguém que você conhece está passando por um momento difícil, não hesite em buscar ajuda. Sua vida é preciosa e sempre há caminhos a serem percorridos, mesmo quando parece não haver saída, pois vale a pena viver, vale a pena!

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