ADMITIR PERDAS
Pe. Lício de Araújo Vale – Diocese São Miguel Paulista (SP)
A aceitação é uma das fases do processo de luto. A aceitação de uma perda ocorre a partir do cerne da pessoa, o seu coração. Aceitar é aderir com o coração. Quem aceita concorda com os fatos. E quando sua dimensão mais profunda concorda com uma perda, ao invés de você ficar guerreando contra ela, se empenha em contornar seus efeitos, ou seja, você assume o compromisso de fazer o que estiver ao seu alcance para usufruir de bem-estar. E nisso reside a diferença entre aceitar e se conformar ou se resignar, porque a aceitação é um processo dinâmico, produtivo e criativo. Quem pensar que aceitar significa sentar e cruzar os braços, se enganou.
A aceitação é praticamente uma espécie de perdão e, como tal, ela não implica em esquecer. Certa vez, pregando um retiro sobre as quatro modalidades de perdão, uma mulher me pediu que eu lhe ensinasse a esquecer acontecimentos do seu passado. Para ela, o perdão genuíno significava não se lembrar mais do ocorrido…. Você também pensa assim¿ Perdão e aceitação não são sinônimos de esquecimento. Aceitar não é esquecer as coisas. O ideal é que todos os acontecimentos importantes, sejam eles agradáveis ou não, continuem registrados em nossa memória, mas sem que isso lhe cause sofrimento psíquico.
A aceitação é como a cicatriz de uma ferida que não dói mais. Você deve ter tido feridas, cirurgias com pontos ou alguma fratura. Neste momento você consegue encostar a mão no local e não sente dor. Aceitar é poder tocar naquela situação de perda sem resquícios de dor e de sofrimento.
Quando você concorda-admite-assume-aceita, a dor é menor, você sofre menos. E o bom é que, ao aceitar, quando menos se der conta, você vai perceber que a dor, ao invés de diminuir, cessa. Afinal, você trabalhou a partir de dentro de sua alma, você concordou, ou seja, envolveu seu coração. Quando você aceita, admite ou concorda com a perda, você para de querer ficar consertando ou ficar escondendo. E para também de ficar mentindo a respeito, visto que a mentira é uma tentativa de mudar os fatos não admitidos.
Além de trazer benefícios para si, a aceitação também traz benefícios para quem está no seu entorno. Você para de encher a paciência dos outros com assuntos maçantes do passado. Quem olhar de fora, vai entender que você superou. Seu repertório de assuntos vai dar uma renovada. Aquele discurso vitimista, de derrota, de iludido, de injustiçado vai dar espaço ao discurso de quem continuidade à vida, apesar das perdas.
Por fim, ao refletir sobre perdas, não podemos deixar de pontuar duas importantes coisas: traços de personalidade e liberdade de escolha.
Um padrão nas pessoas com dificuldade para dar o passo da aceitação é a sua tendência a ser inflexíveis. A coisa tem que ser daquele jeito que ela quer, deseja, ou pensa, ou nada feito. Em sua mente, ela tem que ser feliz com aquela pessoa e como mais ninguém neste mundo, com aquele emprego, naquela casa etc… Essa inflexibilidade psicológica destrói a pessoa deixando-a vulnerável a adoecimentos. Ela pode acabar sendo vítima de sua dificuldade em admitir a derrota, as perdas, sua incapacidade de lidar com frustrações e ser contrariada.
E como perda tem a ver com término, você tem todo o direito de bater o pé dizer que não vai aceitar que perdeu ou que terminou e pronto. Você é livre para assim escolher. Você pode optar por perder seu tempo… Enquanto poderia investir em novas conquistas, em novas batalhas, você pode ficar insistindo em perdas já declaradas e em términos já efetivados. Mas, se tais perdas e tais términos não devidamente elaborados te levarem a uma depressão ou comportamento suicida, isso seria um preço justo a ser pago¿ Seria algo válido¿ Ou seria um tipo de escolha mórbida¿
Deixo essas perguntas para que possamos refletir sobre a importância de admitirmos as perdas que acontecem ao longo da nossa vida.
Que ao contemplar o Coração de Maria, sobretudo neste mês de Maio a ela dedicado, nosso coração também se renove, se alegre, ressignifique nossas perdas, deixe-se contagiar pelo amor de Deus!