Castidade e Pobreza: Pensando com João Crisóstomo

Padre Rafael Solano – Arquidiocese de Londrina

Seria muito tendencioso da minha parte realizar uma reflexão sobre o pensamento de João Crisóstomo. Meus amigos mais íntimos, meus alunos e ouvintes sabem que João Crisóstomo é alguém que ocupa meu interesse teológico, espiritual e acadêmico desde 1990 quando iniciava minha teologia no seminário. 

“A ajuda aos pobres é mais importante que o jejum e a virgindade, pois nos torna a todos o povo de Jesus Cristo”. 

Quando estudei esta frase de Crisóstomo pela primeira vez Tirada dos diálogos que este realizou pensava qual é o sentido de colocar pobreza e castidade juntas. 

Com o passar do tempo e de modo especial lembrando meu grande mestre PhilippSmitz S.J fui compreendendo as três dimensões que abrangem o viver a castidade na caridade da pobreza. 

Primeira dimensão: “Dai-nós a graça do anonimato redentor ”. 

Num século como o nosso e num ambiente onde as pessoas nos expomos e somos expostas; nós membros de presbitérios, congregações, institutos de vida consagrada, comunidades de vida sacerdotal etcetc nos deparamos com um dos questionamentos mais exigentes: como viver a pobreza e a castidade de modo tal que nossa vida e a nossa opção possam ser sinal de uma harmonia psíquica, espiritual e afetiva sem necessidade de estar aparecendo como pessoas “anormais” pela opção que fizemos. 

Marc Chagall é meu artista preferido. Poucos como Chagall chegaram a descobrir a beleza do anonimato que nos afasta de delírios de grandeza e presunção. Poucos como este homem deleitam o ser humano com a sinfônica diagramação das cores e sobre tudo das realidades humanas. Na sua grande obra “Sonho de amor” ele deixa entrever aquilo que será o plano definitivo da sua vida: “Só o amor me interessa, e eu estou apenas em contato com coisas que giram em torno do amor”. Se só o amor me interessa, aparecer e ser reconhecido é algo desnecessário. 

A pobreza e a virgindade só podem ter sentido no amor! O amor faz com que cada um de nos faça uma opção superior a qualquer estilo de vida ou de carisma. 

Pobreza e castidade são muito mais que opções e se traduzem em experiências que brotam do ser humano capaz de realizar em si mesmo e pelos outros a maior de todas as obras. Se doar. 

Muito se fala sobre o sentido e significado do celibato e da virgindade pelo Reino dos céus; mas pouco se reflete nas decisões de todos os que “optamos” por uma vida celibatária sem muitas vezes descobrir a riqueza do amor. 

Quando alguém se deleita criticando o carreirismo no clero penso que os carreiristas ficamos presos nos muros das cúrias e prédios eclesiais; entanto que muito mais perigoso que o mero clericalismo surge o histrionismo alarmante daqueles que dominados pelas redes e pela fama vivem uma vida sob o efeito do holofote e a penúria das curtidas e dos selfies. Carreiristas e histriônicos juntos ainda não encontramos a beleza do sonho de um amor que nos chama a viver a liberdade da pobreza e a riqueza da entrega. A virgindade e a pobreza no anonimato de cada dia. Sem nenhum tipo de propaganda ou comercial; simplesmente vividas por amor.

Segunda dimensão: “Afastai-nos da mídia de cada dia”. 

Michel de Certeau um dos jesuítas que maior incidência teve na minha formação humanista escreveu: “A mídia transforma o grande silêncio das coisas em seu oposto. Antigamente constituindo um segredo, o real agora fala constantemente. Notícias relatórios, informações, estatísticas e pesquisas estão em toda parte.”

Pobreza e castidade não da mídia, não atraem nem notícias nem manchetes que possam ser comentadas e criticadas por todos. A vida sexual do clero só será atrativa quando um escândalo, quando um vídeo, comentário ou atitude de alguém do clero leve consigo a dolorosa e angustiante exposição. Virgindade e pobreza serão vividos na histórica e sublime experiência do silêncio interior e sobre tudo da convicção de ter optado pela maior das riquezas Cristo. 

Cada vez que olho para as celebrações eucarísticas presididas por celebridades me vem na memória a luz do cenáculo! Aquela noite Ele tomou o pão e logo tomou o vinho. Esta luz se fez memorial!! Real! Sobre natural transubstancial e se tornou presente, sem demandas midiáticas ou sem posturas algorítmicas que se repetirão a cada vez que tenha possibilidade de ingressar nas redes. 

A castidade e a pobreza não fazem parte das estatísticas que qualificam ou não uma determinada população nem muito menos fazem parte de relatórios “objetivos” para analizar um determinado grupo. A virgindade e a pobreza são sinais visíveis do Reino no qual o valor central está na verdade é não nas impressões. 

Terceira dimensão: “animai-nos para esperar só em Ti”.

Nesta última dimensão gostaria de trazer a figura feminina de Santa Edith Stein. “O que vale a pena possuir, vale a pena esperar”. A grande discípula de Husserl descobriu que na fenomenologia a esperança só pode ser adquirida na grandeza da espera. Pensamos diz a filósofa Carmelita de origem judaica que esperar é algo que nos torna passivos quando na verdade não há horas mais estressante do que as horas da espera. 

Virgindade e pobreza são uma espera constante é porque não angustiantes! Sim isso mesmo. Ser membros do Corpo de Cristo não nos torna garantes de uma atitude passiva. Muito pelo contrário somos portadores da espera ativa interior que nos leva a ressignificar o contundente momento das nossas opções pelo próprio Cristo. 

Nos determos diante de uma opção pensando que ela por si só nos conduz a realização plena nos torna inamovíveis. Vale a pena possuir a vida eterna, vale a pena possuir os bens eternos, vale a pena possuir aquilo que esperamos! 

Juan Alfaro numa das suas obras insistia: “O próprio homem se coloca como problema epistemológico, quer dizer põe em questão a sua relacionalidade e liberdade”. A virgindade e a pobreza são um espaço hermenêutico da nossa opção mesmo que tenhamos que lutar a cada dia não só para alcançá-las e vivê-las se não também que tenhamos que por em jogo nossa própria liberdade. 

Vale a pena possuir o que esperamos que em definitivas nos faz livres de verdade. 

Pensar com João Crisóstomo e com alguns dos seus estudiosos pode nos ajudar a perceber a grandeza da vocação que vivemos e de modo especial a eleição para a qual fomos chamados. 

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