Fratelli Tutti: Direitos humanos fundamentais segundo Francisco

Gabriel Garcia *

Uma “nova rede das relações internacionais”. Em síntese, é talvez esse o sonho mais ousado de Francisco, formulado em sua última Carta Encíclica, denominada FratelliTutti (no português, “todos irmãos”). Publicado no fim do ano passado, o documento ainda repercute vagarosamente no coração da Assembléia de Cristo, como um alimento denso que precisa ser digerido aos poucos.

A densidade das proposições expressas na Fratelli Tutti, porém, não escapa à riqueza das cartas que a antecedem, tamanha a altivez do nosso querido papa. Mas, por outro lado, é inescapável, enquanto se lê, a sensação de que estamos de frente para algo novo, corajoso, sem precedentes. Fratelli Tutti soa como uma melodia nova, ou, pelo menos, ainda não escutada em sua integralidade.

A premissa do Papa Francisco é clara e está expressa no parágrafo 188 do documento: “a urgência de se encontrar uma solução para tudo o que atenta contra os direitos humanos fundamentais”. Desde logo, nos deparamos com o ímpeto decorrente da formulação: urgência. Em seguida, o imperativo: encontrar uma solução. Por fim, o sentido da alcunha “direitos humanos fundamentais”.

 

Urgência

O apelo do papa à sua Igreja tem ares de clamor. Estamos imersos nas “sombras dum mundo fechado”, que fortalece seus muros e fragiliza suas pontes. As migrações são uma das principais preocupações em Fratelli Tutti. Com igual peso são tratadas a destruição dos espaços comunitários e a intolerância religiosa, todas embaladas por uma cultura do descarte.

Para manter vivo no Povo de Deus o projeto de Jesus, Francisco nos convida a enxergar o horizonte. Lá, bem longe, o papa desenha o ponto final de uma estrada que provavelmente não alcançaremos, mas que serve pelo menos para que se construa uma estrada. Para a construção, pede que sejam usadas as ferramentas do diálogo, da suavização das fronteiras e do encontro. O cimento da estrada é a dignidade de tod construtor.

 

Encontrar uma solução

É dessa dignidade, inalienável, intransferível e inviolável, que partirá a solução proposta pelo Papa Francisco. Os títulos de alguns dos capítulos da Encíclica dão pistas sobre o caminho: “pensar e gerar um mundo aberto”; “um coração aberto ao mundo inteiro”; “a política melhor”; “diálogo e amizade social”; “perspectivas dum novo encontro”.

A pedra angular do raciocínio apresentado é, portanto, a proximidade. A proximidade de Francisco, porém, transcende o sentido recorrente do termo. Não se limita à vizinhança, ao que está próximo geograficamente. Assim como na parábola do Bom Samaritano, que dá o tom da Encíclica, o chamado que se faz é à superação das fronteiras, sejam elas físicas ou imateriais, espaciais ou existenciais. Uma Igreja em saída e em direção à periferia do poder.

Sobre poder, aliás, não faltam lições. Ao propor “a política melhor”, o papa nos chama a superar a criminalização da política, fazendo um apelo ao diálogo e a um “novo encontro”. Para isso, reposiciona a função social da propriedade e retoma a correta definição da caridade: um movimento de emancipação, de protagonismo.

Na “política melhor”, insere-se a pluralidade como fundamento do sistema. Todas a diferentes formas de existência devem ser representadas pelo poder, mas todas ligadas por um fator único. Esse fator só pode ser o reconhecimento de que todos o que ali estão são indivíduos portadores de direitos humanos fundamentais.

 

Direitos humanos fundamentais

Seja na teoria constitucional ou no senso comum, permanecem conflitantes no imaginário coletivo duas concepções da ideia de direito, ambas decorrentes da Lei Natural: direitos humanos e direitos fundamentais. Os direitos humanos, enquanto formulações históricas trazem consigo um alto grau de transnacionalidade. Derivam, em última análise, daquilo que se é, e não daquilo que se faz. Temos direitos porque somos não porque merecemos. Na linguagem cristã, derivam da proteção inviolável da vida, apesar do pecado (“Eu vim para que tenham vida” Jo 10, 10).

Os direitos fundamentais, por outro lado, consistem naquelas idéias, originadas nos direitos humanos, que determinado país optou por incluir em sua Constituição. Trata- se, portanto, de um conjunto de prerrogativas previstas em lei, e não somente disputadas no campo da ética e da moral. Constituem fundamento de uma estrutura política. De uma “política melhor”.

Nesse dissenso, Francisco faz uma escolha: opta por uma ponte, uma junção. Cunha, então, o termo direitos humanos fundamentais, conciliando as duas concepções. Ao fazer isso, o Bispo de Roma aponta para um caminho concreto.

Para o papa, é necessário expandir os direitos humanos enquanto uma ética cristã e, ao mesmo tempo, preservar a autoridade da lei que institua os direitos fundamentais. É preciso, também, fortalecer a cultura dos direitos humanos enquanto fundamento moral da Igreja e, simultaneamente, expandir as democracias calcadas num aparato constitucional legítimo, o da dignidade.

Ao fim e ao cabo, o objetivo é universalizar a ideia de direitos. Em outros termos, torná-la “católica”.

* Advogado e coordenador da Pastoral do Menor na Arquidiocese de Niterói

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