Seis anos da Laudato Si: caminhos de reflexão
Robson Ribeiro de Oliveira Castro
No dia 24 de maio de 2015, o Papa Francisco publicou a Encíclica Laudato Si’, uma crítica à sociedade de consumo e a forma inconsequente e irresponsável do desenvolvimento humano a todo custo. Seis anos após a publicação, tal documento ainda é referendado e consultado em inúmeros aspectos para repensar a realidade do nosso mundo e as transformações trazidas ao meio ambiente, principalmente em tempos de pandemia.
Francisco faz apelo a todos e todas para uma mudança na condução do planeta: “Esta irmã [mãe terra] clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou.” (Laudato Si’, n. 2). A pesquisadora e professora Moema Miranda escreve, em seu artigo: Laudato Si’, 5 anos: Esperança e a perigosa arte de nomear demônios, publicado na Revista Grande Sinal, algo extremamente importante: “A Encíclica Laudato Si’ representa um gigantesco passo de conversão dado pela Igreja Católica diante das evidências do colapso ambiental e suas raízes antropogênicas”.
E de fato é mesmo! A Laudato Si’ é um marco na realidade de uma ética social e o que chamamos de Doutrina Social da Igreja, pois apresenta a realidade da sociedade e do respeito ao meio ambiente. Para tanto, é preciso observar o caminho vivo e, diante da realidade, mudar nossa conduta, como nos expõe Leonardo Boff, em seu livro Ecologia. Grito da terra, grito dos pobres. “A ética da sociedade dominante hoje utilitarista e antropocêntrica, considera o conjunto dos seres a serviço do ser humano que pode dispor deles a seu bel-prazer, atendendo a seus desejos e preferências”.
Nesta encíclica, Francisco apresenta a realidade do bem comum e o cuidado pela pessoa humana, principalmente em uma sociedade individualista e egoísta: “O bem comum pressupõe o respeito pela pessoa humana enquanto tal, com direitos fundamentais e inalienáveis orientados para o seu desenvolvimento integral” (Laudato Si´, n. 157).
Para tanto, é imprescindível observar as transformações que estamos vivendo, principalmente com a pandemia da Covid-19. Com o isolamento social, o ecossistema voltou a respirar e inúmeras questões puderam ser observadas, por exemplo: “Com a quarentena na Itália, cisnes e peixes voltaram aos canais de Veneza; patos a Roma e golfinhos à Ilha da Sardenha”, segundo o site Conexão Planeta.
Desta forma, é possível observar que em Veneza, mediante a redução do número de turistas nos canais que cortam a cidade, voltaram os sinais de vida marinha. Era possível enxergar peixes no fundo dos canais e as águas se tornaram cristalinas depois que as ruas foram esvaziadas.
É importante ressaltar que o ser humano, com sua necessidade de poder e ganância, compromete a natureza e o bem de todos. Neste contexto, Leonardo Boff, em seu livro Ética da vida, nos apresenta o seguinte contexto: “O antropocentrismo considera o ser humano rei/rainha do universo. Considera que os demais seres só têm sentido quando ordenados ao ser humano; eles estão aí disponíveis ao seu bel-prazer”.
Para tanto, é preciso estar atento à convocação do Papa Francisco, que admoesta o ser humano que se acha o dono e proprietário de tudo no planeta. Em tempos de crise, a sociedade não pode viver apenas para o consumo, infelizmente, como afirma Leonardo Boff, em seu livro Ecologia. Grito da terra, grito dos pobres: “O importante é acumular grande número de meios de vida, de riqueza material, de bens e serviços a fim de poder desfrutar a curta passagem por este planeta”.
Papa Francisco é crítico e categórico no parágrafo 119 da Laudato Si’: “A crítica do antropocentrismo desordenado não deveria deixar em segundo plano também o valor das relações entre as pessoas. Se a crise ecológica é uma expressão ou uma manifestação externa da crise ética, cultural e espiritual da modernidade, não podemos iludir-nos de sanar a nossa relação com a natureza e o meio ambiente, sem curar todas as relações humanas fundamentais”.
O caminho a ser trilhado é do acolhimento e da responsabilidade com o meio ambiente. Não se pode achar que os bens naturais são ilimitados. Desta forma é urgente pensar em que mundo queremos viver e deixaremos para as futuras gerações. De fato, neste contexto, precisamos observar a dor do outro e sua condição neste mundo: “O meio ambiente é um bem coletivo, patrimônio de toda a humanidade e responsabilidade de todos. Quem possui uma parte é apenas para administrá-la em benefício de todos. Se não o fizermos, carregamos na consciência o peso de negar a existência aos outros” (Laudato Si’, n. 95).
Atento ao clamor de uma sociedade excludente e individualista, Francisco nos lembra que vivemos em uma relação social: “É necessário voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena ser bons e honestos. Vivemos já muito tempo na degradação moral, baldando-nos à ética, à bondade, à fé, à honestidade; chegou o momento de reconhecer que esta alegre superficialidade de pouco nos serviu. Uma tal destruição de todo o fundamento da vida social acaba por colocar-nos uns contra os outros na defesa dos próprios interesses, provoca o despertar de novas formas de violência e crueldade e impede o desenvolvimento duma verdadeira cultura do cuidado do meio ambiente.” (Laudato Si’, n. 229).
Francisco nos dá condições de lutar e refletir sobre os problemas que enfrentamos, como afirma a pesquisadora Moema Miranda: “O Papa Francisco abriu portas e janelas para o diálogo com a ciência, com os saberes tradicionais, com a arte, a poesia e propôs a linguagem da fé, como uma perspectiva que se soma a outras, na busca do caminho de retorno à Terra”.
Francisco de Roma propõe Francisco de Assis, o Poverello, como modelo: “Recordemos o modelo de São Francisco de Assis, para propor uma sã relação com a criação como dimensão da conversão integral da pessoa. Isto exige também reconhecer os próprios erros, pecados, vícios ou negligências, e arrepender-se de coração, mudar a partir de dentro”. (Laudato Si’, n. 218). Que possamos colocar em prática boas ações e lutar pela manutenção da Terra e que possamos nos empenhar, verdadeiramente, na defesa e preservação da vida, sobretudo, dos mais pobres e sofredores.
Robson Ribeiro de Oliveira Castro é leigo. Mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Atualmente leciona no Instituto Teológico Franciscano (ITF).
Fonte: www.franciscanos.org.br