SUICÍDIO- Como entender e lidar com essa trágica realidade

Evaldo D´Assumpção – Médico e Escritor e Tanatólogo

Trabalhei por mais de 30 anos com famílias enlutadas por diversas causas. Contudo, o suicídio aparece como um dos eventos mais dolorosos para os familiares, desde as tentativas, até a sua consumação. Consultando as estatísticas oficiais (OMS), verifica-se que o suicídio é uma das maiores causas de morte no mundo. Em 2016, quase seis pessoas em cada 100.000 habitantes recorreram ao autoextermínio. Em 2019, ano devorado pela pandemia da Covid19, cada 40 segundos uma pessoa suicidou-se, sendo a segunda maior causa de morte entre pessoas de 15 a 19 anos. Por sexo, 9,2 por 100.000 hab. são homens e 2,4, mulheres. O Brasil está em 8º lugar entre os países com maior número de suicídios, calculando-se que a cada 45 minutos, uma pessoa recorre ao autoextermínio em nosso país.Aqui, no ano de 2017, o suicídio, na faixa etária de 15 a 24 anos foi a 4ª maior causa de mortalidade. Com relação às profissões, o suicídio é bastante comum entre médicos, policiais e jornalistas. E nesse tempo de pandemia, especialmente pelas determinações de isolamento, associado ao medo que grassou entre tantas pessoas, houve um significativo aumento de suicídios, calculado em torno de 32%. Números serão definidos quando passar esse tempo de terror, muitas vezes mal explicado e sordidamente induzido e explorado política e economicamente.

Essas estatísticas são assustadoras, e nos mostram comoé fundamental o conhecimento das características de um potencial suicida, para procurar demovê-lo do seu propósito. E também que é indispensável ter-se um mínimo de conhecimentos de comoajudar aos seus familiares no difícil processo de luto, quando ele é consumado. Esse livro, que agora publicamos, objetiva dar uma contribuição objetiva para esse grave problema.

            O suicídio faz parte da própria história da humanidade, com relatos bem antigos de sua ocorrência.Do ponto de vista histórico e motivacional, classificamos os suicídios nos seguintes grupos:

Punitivos =De citação histórica mais antiga. O grande filósofo grego, Sócrates, foi a sua vítima mais notória, tendo sido levado a tomar cicuta, um potente veneno, nas masmorras de Atenas, no ano 399 a.C. Foi o primeiro suicídio registrado na história.

Eugênicos = Quando induzido para eliminar pessoas com deformidades rejeitadas pela comunidade a que pertencia, epelo receio de que eles viessem a gerar filhos imperfeitos.

Preventivo=Comum entre algumas populações muçulmanas, esquimós e orientais, para preservar a segurança ou sobrevivência das comunidades carente de recursos.

Solidário=Conhecido na Índia como SUTTEE, levandoà viúva a se lançar na pira crematória do marido para morrer junto dele.

Romântico= O exemplo clássico é o da tragédia de Shakespeare, Romeu e Julieta, na qual os dois amantes de Verona se matam.

Heroico=o mais conhecido ocorreu no ano 73 d.C., quando os 967 judeus remanescentes na fortaleza de Massada, sitiada pelos romanos, cometeram suicídio coletivo. Hoje, são os muçulmanos os protagonistas mais comuns quando se revestem de bombas e se imolam no meio de povos inimigos. O mais dramático aconteceu em 11 de setembro de 2001, quando derrubaram as torres gêmeas, em Nova York, matando 2.753 pessoas.

Políticos=Diferentemente dos heroicos o objetivo é chamar a atenção para fatos políticos,dos quais discordam radicalmente.

Altruísta= Quando alguém, buscando salvar uma ou mais pessoas, coloca-se em grave risco de morte.  Exemplos conhecido é o do Frei Maximiliano Kolbe que, no campo nazista de Auschwitz, ofereceu-se para morrer no lugar de um pai de família.

Ético=Originário do Japão, entre os Samurais, denominado BUSHIDO, que significa o caminho dos guerreiros. Quando caíam em desgraça, praticavam o Harakiri, um golpe de espada contra o próprio abdômen.

Religiosos= São os cometidos por pessoas que, para não renegarem a sua fé, entregam-se à tortura e à morte. Contudo, Santo Agostinho questionavase era válido suicidar-se para não pecar. No Kardecismo, que apesar de se dizer uma religião cristã, não pode ser considerada como tal, uma vez que rejeita a vida única sem reencarnação, assim como a ressurreição, e a redenção definitiva de Cristo, essenciais à fé cristã, Para eles, ao suicídio corresponde sofrimentos horríveis numa outra dimensão. E essa afirmação ocasiona enormes sofrimentos para os familiares de alguém que fez a opção de se matar, inclusive dificultando a elaboração do luto pelos familiares e amigos próximos.

Resolutivo ou Anômico (Durkheim) = Este é o suicídio mais comum em nosso meio. A pessoa se mata para fugir de uma situação que lhe é extremamente cruel, causando-lhe enorme sofrimento. Ou então, para conseguir uma “Renovação Pessoal”. A palavra anômico significa aquilo que resulta de desorganização, ou que resulta de um desvio das leis naturais. Resolutivo se refere ao objetivo que aparentemente motivou ao suicida, na tentativa extrema de resolver uma situação que não consegue suportar, nem lidar com ela.

Nesse caso pode-se dizer que a pessoa mira um alvo, que é a sua autoimagem, porém atinge outro, que é ela própria. O que, na realidade, não era o desejado.

 

PREVENÇÃO DO SUICÍDIO E CUIDADOS COM FAMILIARES.

Pode-se afirmar que a prevenção do suicídio, ainda que difícil, é possível. Muitos estudos demonstram que cerca de 83% dos suicidas fazem contato com um médico de assistência primária, dentro do ano prévio à sua morte, e 66% até um mês antes. Portanto, se houver um programa preventivo e de orientação adequada para esses médicos, muitas vidas poderão ser salvas.

Importante contribuição para isso foi a instituição do “Setembro Amarelo”, mês destinado a ações, e reflexões preventivas, inspirado pelo Dia Mundial da Prevenção do Suicídio, celebrado anualmente em 10 de setembro.

Resumidamente, as intervenções para a prevenção do suicídio são assim elencadas:

  1. a) Educação e programas de prevenção= Que devem ser desenvolvidos, sobretudo nas escolas para orientação de jovens – onde ocorre um alto índice de suicídios – disponibilizando atendimento apropriado aos alunos com problemas. Também os profissionais da área de saúde devem receber orientação adequada sobre a ideação suicida, a importância da detecção de estados de desesperança, de pessimismo exacerbado, de quadros depressivos. Quase sempre os sintomas depressivos e as ideias de suicídio são negligenciados.
  2. b) Psicoterapia= É necessária na maioria dos casos, por profissionais bem preparados para isso.
  3. c) Farmacoterapia = Deve ser usada em casos bem indicados, ficando-se atento para o fato de que alguns medicamentos podem ser utilizados para o autoextermínio.
  4. e) Seguimento psicológico de pessoas que tentaram suicídio= Quem fez uma tentativa, muitas vezes a repete.
  5. f) Restrição ao acesso de armas letais= Nunca deixá-las ao alcance de pessoas com ideação suicida.
  6. g) Orientação para a mídia=Evitar-se a divulgação de suicídios. Em vários países – inclusive no Brasil – existe um acordo entre os meios de comunicação para se evitar a divulgação de suicídios, pois se sabe que umsuicídio pode encorajara quem já cultiva essa ideia.
  7. h) Atenção a estados depressivos e outras condições psíquicas= A dor de uma depressão verdadeira e profunda é inimaginável por quem ainda não a sofreu. A esquizofrenia, assim como certas desordens psicológicas graves, o alcoolismo, a dependência de drogas, tudo são fatores extremamente graves na gênese de um suicídio.

Também o medo de um sofrimento intenso em decorrência de uma doença incurável, as apreensões relacionadas a futuras dificuldades financeiras, tudo pode contribuir para uma decisão extrema.Nenhum sentimento é tão intensamente destrutivo como a desesperança. Mais do que a depressão, perder totalmente a esperança de qualquer saída para um problema de alta significância, pode ser simplesmente devastador. Outra condição motivadora para o suicídio é o sentimento de não ser amado, de não se sentir acolhido em suas necessidades, mesmo as irreais. Isso pode levar àquela pessoa a buscar punir os que não atendem aos seus caprichos. Por vezes,até simula uma tentativa de se matar, mas corre o risco de exagerar nela, e sua simulação acabar em tragédia..

Para os que ficam, e principalmente numa situação como essa acima referida, o mais importante é trabalhar para que não assumam sentimentos de culpa, questionando-se o que fizeram, ou deixaram de fazer, para evitar que aquilo acontecesse.

Observadores à distância (amigos, companheiros de diversões ou de trabalho) muitas vezes são mais capazes de detectar sinais de anormalidade no comportamento de uma pessoa, do que quem está no centro da tempestade.

 

Em nosso livro apresentamos mais informações e detalhes que fogem do escopo de um artigo básico.

 

* Médico e Escritor. Da Academia Mineira de Medicina e da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores. Autor dos livros “Sobre o viver e o morrer”, “Luto”, pela Ed. Vozes, e de dois volumes de suas memórias.

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