Tempos de Guerra ou templos de Paz?

“Ide em Paz e que o Senhor vos acompanhe!”

A paz pode ser descrita como “relação entre pessoas que não estão em conflito; acordo, concórdia” ou então: “relação tranquila entre cidadãos; ausência de problemas, de violência”.

A paz nem sempre é percebida somente pela ausência de guerras. Muitas das vezes dizemos: “Tal situação me tirou a paz!” “Me sinto tão em paz quando estou com você!” E, assim, temos momentos de paz e momentos com não tanta paz. Por isto podemos dizer que existe a paz passageira ou fugaz e a paz que é duradoura ou até eterna (que chamaremos de verdadeira paz). Além disto, a paz tem diferentes dimensões ou amplitudes, existindo níveis de paz.

As dimensões da paz verdadeira

Sabia que existe a paz verdadeira e a falsa paz? Sim! Jesus mesmo disse: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá (João 14: 27). Assim, a verdadeira paz permanece mesmo em situações difíceis, de dor e de guerras. O remédio para vencer a estas dificuldades é a coragem. Palavra que significa agir com o coração, ou melhor, agir movido pelo Amor. O Mestre ainda diz: “No mundo tereis tribulações, mas tende coragem…”

A primeira dimensão da paz verdadeira é aquela que se consegue por meio da fé. A partir do que escutamos sobre o Deus-Amor que se revelou, deixamos que Ele nos alcance. O caminho é acreditar em Deus, acreditar que Ele nos ama, nos quer bem e que nos criou para a felicidade eterna e, ainda, como consequência, vivermos a realidade da intimidade com Deus que é Amor. Estar reconectado, viver a religião verdadeira (religar). Acreditar significa dar crédito, ou seja, pagar para ver aquilo que não foi visto ainda. Por isto que se diz que a fé é a certeza daquilo que não se vê.

Estar em paz consigo se caracteriza como a segunda dimensão da paz. Entender e amar a própria história de vida, amar meu corpo e minha alma. Também, fazer as pazes com o meu contexto emocional, social e econômico e me deixar libertar de preconceitos negativos a respeito de mim mesmo, são algumas das características desta dimensão da paz. A porta da gaiola foi aberta pelo Salvador, mas cabe a mim voar para fora. Esta paz não é conformismo, mas sim a liberdade diante das amarras do passado, culpas já desculpadas e, livremente, seguir em frente.

A terceira dimensão da paz é a paz com o outro. Deixar de julgar o outro. É bom se perguntar sempre: “Quem te constituiu juiz do seu irmão?” E a resposta certa será: Ninguém! Pois então, desça da cadeira de juiz. Assim, agora não mais juiz, meu papel não é o julgamento das pessoas, mas o acolhimento. Melhoro o meu procedimento, minha vida e me esforço para ser um testemunho de amor, sabendo que não sou perfeito. “Quem tiver ouvidos para ouvir que ouça!” Esta dimensão de paz está totalmente interligada com as dimensões anteriores. Se já saí da gaiola, eu vôo alto, enxergo com mais nitidez a mim e ao outro, tenho compaixão, vejo Deus em nossa história e me abro para o milagre da vida. E ainda, estou disposto a aprofundar no conhecimento do Deus-Amor e não tenho mais medo de deixar a borda da praia, apesar das ondas, e me disponho a colher as rosas apesar dos espinhos.

A falsa paz como uma das expressões da guerra

Certa vez Jesus disse: “Supondes que vim para dar paz à terra? Não, eu vo-lo afirmo; antes, divisão” (Lucas 12: 51). Neste contexto, o Mestre estava falando da falsa paz. Na falsa paz todos concordam com a mesma coisa, não há atritos interiores ou entre as pessoas, entretanto, tal coisa em acordo pode ser algo horrível. Podemos viver na falsa “paz” mesmo existindo milhares de pessoas passando fome, desabrigadas, sem escola, saúde precária, sem moradia etc. Esta, certamente é a imagem da festa do rico, enquanto Lázaro tinha suas chagas lambidas pelos cachorros (Lucas 16:19-31).

Dimensões da falsa paz

Falamos de algumas dimensões da verdadeira paz, mas, e a falsa paz, também tem suas dimensões? Sim, com certeza.

A primeira dimensão de falsa paz é aquela que se consegue também por meio da fé. Entretanto, é a fé que se deposita em coisas palpáveis e visíveis na esperança de que supram nossa busca pela felicidade. Depositamos a fé no emprego, em personalidades famosas, em ideologias, no prazer, na adrenalina, no dinheiro etc. Temos dificuldades em nos relacionar com um Deus que é superior em amor e bondade e, também, dificuldade de relacionar com o outro, pois, erroneamente assumo para mim o papel de um “deus” distorcido (que na verdade não é o Deus Amor) ou, então, assumo um papel de escravo… Quando sou “deus” eu julgo, mando, oprimo, estrago, destruo, sou prepotente, quero ser servido, sempre estou certo e não dialogo. E quando sou o escravo medroso e alienado, eu sucumbo, me intimido, obedeço cegamente, não cresço, fico afetado pela crítica negativa e desisto. Isto que é um conflito se traveste de falsa paz interior e pode permanecer por longos anos, sendo alimentada a cada dia, pois o indivíduo tende a protegê-la. No primeiro caso, protege para garantir e manter as regalias de ser “divino” e, no segundo, pelo medo de que as coisas piorem ainda mais. Uma mesma pessoa pode representar papéis de “deus” e escravo, e isso dependerá da ocasião: por exemplo, o oprimido no trabalho pode ser o opressor em casa.

Na segunda dimensão da falsa paz, tentamos não lidar com nossas fraquezas, ou as abominamos a tal ponto que as escondemos de nós mesmos e só conseguimos vê-las e atacá-las quando as vemos nos outros. Geralmente, temos dificuldades em ficar a sós ou em silêncio e logo colocamos uma música ou ligamos a TV ou nos conectamos a outras mídias. Temos uma enorme dificuldade em orar em silêncio, pois, nossas “amigas” distrações dominam nosso pensamento.

A terceira dimensão da falsa paz é aquela em que a sociedade se fecha em seu círculo (ou quadrado) de dominação, protegido e egocêntrico ou “sócio-egocêntrico”. Nesta dimensão da falsa paz é nítido se escutar tais frases: “Notícia ruim, prefiro não saber!” “Ande somente com quem te faz bem!” “Melhor ser alienado!” “Não falo de política!” “Vivo no meu mundo, trabalho, construo, me divirto, planejo minhas férias, cuido da minha família e… pronto.” Esta falsa paz se amplia e passa a ser uma falsa paz social, e para isto, os injustiçados são forçados a se calar e têm uma educação técnica alienante. Esta falsa paz pode ter grande amplitude e pode caracterizar a falsa “paz” de um país ou de uma região do mundo.

Encarando a dura realidade – Brasil em guerra

Certa vez, vi uma entrevista de um líder indígena brasileiro em que, fui surpreendido pelo que ele disse para o entrevistador branco. Disse ele, corajosamente: “Nossos povos (indígenas x brancos) ainda hoje estão em guerra no Brasil. Fomos expulsos de nossas terras e até hoje não conseguimos reconquistá-las”.

Outra questão latente no Brasil é que temos um pesado legado de mais de 300 anos de escravidão de pessoas afro-descendentes. E eu pergunto: Será que também não é guerra o que vemos todos os dias nos noticiários policiais? Será que são balas perdidas as que matam pessoas pobres na periferia das cidades? Por que no Brasil as escolas dos pobres são piores que as escolas dos ricos? Por que os presídios têm um número absurdamente maior de negros que brancos em suas celas? São Tiago diz bem claramente: “Se qualquer dentre vós disser: Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes der o necessário para o corpo, qual é o proveito disso?” (Tiago 2: 16). Ou seja, qual o proveito desta paz anunciada com a voz, mas, que não se faz verdadeira? Trabalhemos pela paz! Políticas que considerem a equidade poderão redirecionar nosso futuro para uma paz social verdadeira. Chega de ser “deus” e chega de ser escravo! Com amor podemos ir longe!!!

A guerra sem máscaras

A falsa paz não pode ser mantida indefinidamente. Ela geralmente é rompida por situações-limite, que podem resultar em crises que possibilitam o crescimento (pessoal ou social) ou, então, ela se aprofunda retirando suas máscaras e se torna a Guerra.

Nestes primeiros 20 anos do Século XXI já vimos guerras no Afeganistão (2001 – presente), no Iraque (2003-2011), no Líbano (2006), na Líbia (2011) etc. Todas essas com o apoio, ou força invasora de países alinhados com o ocidente (EUA, Israel, França, etc.) e, ainda, vimos guerras na Geórgia (2018) e, atualmente, na Ucrânia (2014 – presente) com o apoio, ou invasor, a Rússia. Temos visto nos noticiários, a invasão russa na Ucrânia, com batalhas sangrentas se acirrando e culminando em bombardeios, multidões fugindo, grande sofrimento e mortes. Descortina-se uma possível grande crise mundial. As tênues molas que mantinham a falsa paz mundial, agora estão tensionadas e buscarão um novo equilíbrio… Não é justificável nenhuma invasão de um país por outro! Rezemos para que o diálogo e a diplomacia tenham a voz final e não as armas! Além disto, podemos nos posicionar contra a guerra e exigir que nossos políticos se posicionem também. Quem ficar em uma posição de neutralidade, na verdade, estará a favor da guerra.

A quarta dimensão da paz verdadeira

A quarta dimensão da paz verdadeira caracteriza-se pela paz vivida em sociedade. Esta é fruto das três dimensões da paz verdadeira, já descritas e, também, da disposição de viver a paz em comunidade e com o meio ambiente. “Fratelli tutti” – somos todos irmãos, é a proposta vivida por São Francisco de Assis. Para isto há grande intimidade e diálogo com Deus que é Amor; abertura para o diálogo consigo e com o outro; desapego de bens materiais e; por fim, disposição para viver a vida partilhando-a com simplicidade.

Vejamos o que os três últimos Papas falaram sobre a paz verdadeira:

“Não há paz sem justiça, não há justiça sem perdão, não há perdão sem amor.” (São João Paulo II);

“A paz não pode ser reduzida a simples ausência de conflitos armados, mas tem de ser entendida como um fruto da ordem que o divino Criador estabeleceu para a sociedade humana, uma ordem que deve ser realizada pelos homens, sempre anelantes por uma mais perfeita justiça”. (Papa emérito Bento XVI);

“A paz é um bem que supera qualquer barreira, porque é um bem de toda a humanidade.” (Papa Francisco).

É verdade, estamos em tempos de Guerra! Sempre estivemos e, possivelmente, nesta Terra, sempre estaremos. Entretanto, podemos ser construtores da paz se formos templos da Paz. Permitamos que o Príncipe da Paz (Deus que é Amor) seja o Senhor de nossos exércitos interiores e que nossa força vital seja usada sempre para o bem. Acolhamos a paz, vivamos em paz, sejamos mensageiros da paz, possibilitemos que os outros vivam em paz. Engajemo-nos, nos organizemos, sejamos livres, verdadeiros soldados que constroem a paz. Paz confundida com passividade pode se tornar guerra. Chega de omissão ao se deparar com o sofrimento alheio. Compaixão! Ou seja, sentir a dor junto com o outro e juntos trabalhar para que se alcance a Paz. Enfim, para se alcançar a verdadeira paz se exige atitude, sair do seu quadrado! Vamos à luta irmãos?!

Fábio Cunha Coelho

Diácono Permanente da Diocese de Campos dos Goytacazes

Professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

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4 Comentários

  1. Parabéns Professor e Diácono Fábio Coelho,
    Seu texto nos traz uma profunda reflexão sobre a Paz. Um palavra tão repetida por homens e mulheres , principalmente nos tempos de guerra, mas geralmente , muitos esquecem, ou não sabem, que o único jeito de alcançar a paz é amar o próximo como a nós mesmos e à Deus sobre todas as coisas.
    Você é um iluminado pelo Espírito Santo e com certeza, está ajudando a iluminar os caminhos de muitas pessoas que continuam na escuridão espiritual.
    Que Deus o abençoe hoje e sempre!

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