Leão XIV e a Cultura dos Dois Mundos

Robson Ribeiro – Teólogo e Filósofo

A eleição do Cardeal Robert Francis Prevost, assumindo o nome de Papa Leão XIV marca não apenas a continuidade de um projeto pastoral iniciado por Francisco, mas também a abertura de uma nova etapa na história da Igreja Católica. Em entrevista recente ao jornal La Nación, a teóloga argentina Emilce Cuda — que trabalhou diretamente com o então cardeal Robert Prevost — destacou um aspecto fundamental do novo pontífice: sua vivência entre “dois mundos”.

Essa expressão, longe de ser apenas uma metáfora geográfica, revela uma chave interpretativa poderosa para compreender o perfil de Leão XIV. Nascido nos Estados Unidos, mas com longa trajetória missionária e pastoral no Peru, o novo Papa encarna uma síntese rara entre o Norte global e a América Latina. Segundo Cuda, essa experiência lhe confere um “saber” que Francisco, apesar de argentino, não possuía: a capacidade de transitar com naturalidade entre culturas, línguas, sensibilidades e estruturas eclesiais distintas.

O papado de Francisco foi marcado por uma guinada pastoral, com foco nos pobres, nos migrantes, no cuidado com a Casa Comum e na descentralização do poder eclesiástico. Leão XIV, ao que tudo indica, não rompe com essa linha, mas a aprofunda com uma perspectiva mais institucional e intercultural. Sua atuação como prefeito do Dicastério para os Bispos e presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina o colocou no centro das decisões estratégicas da Igreja, especialmente no que diz respeito à nomeação de novos líderes e à articulação com as conferências episcopais do continente.

Emilce Cuda destaca que muitos dos projetos que coordenou na CAL foram apoiados diretamente por Prevost, inclusive iniciativas inspiradas por Francisco, como o programa “Conduciendo puentes y construyendo puentes”, voltado à reconciliação e ao diálogo. Isso revela não apenas continuidade, mas também uma capacidade de gestão e articulação que pode ser decisiva para os próximos anos.

Em tempos de polarização global, tanto dentro quanto fora da Igreja, a figura de Leão XIV surge como a de um mediador. Sua “cultura dos dois mundos” pode ser o antídoto necessário contra os extremismos que ameaçam a unidade eclesial. Ele conhece o dinamismo e os desafios da Igreja no Norte, mas também a espiritualidade popular, a teologia do povo e as lutas sociais da América Latina.

Essa dupla pertença pode torná-lo um Papa da escuta, da mediação e da construção de pontes — não apenas entre continentes, mas entre visões de mundo. Em um cenário eclesial cada vez mais plural, essa habilidade pode ser mais valiosa do que qualquer carisma pessoal.

A eleição de Leão XIV não representa uma ruptura, mas uma síntese. Ele herda o espírito reformador de Francisco, mas traz consigo uma bagagem institucional e intercultural que pode dar novo fôlego à missão da Igreja no século XXI. Como bem observou Emilce Cuda, há um saber específico em sua trajetória — um saber que nasce do encontro entre mundos distintos, mas complementares.

Se Francisco foi o Papa do Sul global, Leão XIV pode ser o Papa da convergência. E talvez seja exatamente disso que a Igreja precisa agora.

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