O papa Francisco e a comunicação da Igreja

Jakson F. de Alenca*     

Em 13 de março de 2020, a eleição do Papa Francisco como bispo de Roma completou sete anos. Seu pontificado tem sido tão intenso, com tantos grandes e pequenos – mas sempre muito significativo ­– gestos concretos, atitudes, iniciativas, falas e documentos oficiais e extraoficiais de alta repercussão, que até parece já ter passado o dobro desse tempo.

Dentre tantos outros aspectos e dimensões que se destacam, o pontificado de Francisco é muito rico do ponto de vista de sua comunicação com a Igreja e o mundo. É bem comum que se confunda comunicação apenas com o uso de técnicas e recursos tecnológicos para emitir mensagens com “construção” de celebridades e mensagens muitas vezes superficiais e vazias de valores. Comunicação é também uso das técnicas e tecnologias, mas é muito mais. Envolve o conteúdo, as atitudes, a interação, os objetivos e a consideração ou desconsideração com que o emissor tem para com seus interlocutores. E isso fica bem claro na qualidade da comunicação do papa. Além do uso de técnicas e recursos como a conta no Twitter – também usada por Bento XVI –, a rádio, a TV, a editora e o jornal do Vaticano, já utilizaram grande eficácia de sua comunicação vai bem além das tecnologias

 

A comunicação em seu sentido mais profundo e genuíno é interação, diálogo, entendimento. O filósofo e estudioso da comunicação Jürgen Habermas concebe-a a como um diálogo entre partes em que para os enunciados de uma delas serem considerados válidos, ela, necessariamente, precisa considerar a validade dos argumentos da outra. A mensagem não é simplesmente o que uma parte transmite ou quer incutir na outra, mas é o entendimento produzido na interação, com o enriquecimento daqueles que dialogam.

 

Ainda segundo Habermas, os enunciados só são realmente “ação comunicativa” quando há essa intenção e disposição para o diálogo e o entendimento. A mensagem não vale apenas pela força da autoridade e muito menos pela imposição, mas, sobretudo, pela força dos argumentos. Quando o enunciado visa somente determinar ou forçar o que outro deve ouvir ou fazer, não se trata, na concepção dele, de “ação comunicativa”, mas “ação performativa” para gerar um resultado concebido anteriormente. Ou também, como no caso da comunicação de massas, em que se visa apenas incutir pensamentos e ideologias, e manipular; trata-se de ações de “colonização do mundo da vida” e não de “ação comunicativa”.

A amplitude e a eficácia da comunicação do papa Francisco estão na linha das ações comunicativas genuínas. Não por ele ter se baseado nas teorias de Habermas, mas pelo seu modo de ser, de pensar, de conceber Deus, a humanidade, o mundo; por sua disposição forte para o diálogo, para ouvir e valorizar o que os outros dizem e pensam; pelo seu forte cultivo interior e espiritual. Sua ação comunicativa inclui o forte impulso que deu na aplicação da contribuição do Concílio Vaticano II, no sentido de resgatar a eclesiologia dos santos padres (do período Patrístico, os primeiros séculos da Igreja). Nessa concepção, a Igreja é entendida como comunhão de Igrejas locais, não centralizadora e não vertical, mas colegial, sinodal, circular, sendo o ministério do papa um serviço à unidade nessa comunhão diferenciada. Todas essas diretrizes são também comunicação para além das tecnologias. Francisco, já no início de seu pontificado, em sua primeira fala, ao saudar o povo após sua eleição, deu importantes sinais no sentido de valorizar a Igreja como comunhão de Igrejas locais, ao ressaltar, enfática e reiteradamente, que havia sido escolhido “bispo de Roma” para “presidir na caridade” as outras Igrejas locais. Ou seja, já sinalizou que gostaria de superar o modelo de Igreja em que o “primado universal do papa” é muito proeminente, transformado os outros bispos e suas dioceses em meros coadjuvantes ou acólitos do papa.

Ele tem procurado exercer seu ministério de maneira sinodal e colegiada. Não que antes não fossem realizados sínodos ou que nunca se tenha falado em colegialidade, mas faz toda a diferença quando não há condenações, silêncios obsequiosos e falas obsequiosas. Demonstração clara disso foi quando, na abertura de um sínodo, o papa disse que aos participantes não deveriam falar coisas para agradar a ele ou algum setor, mas expor a realidade como ela é. Trata-se de uma postura bem diferente das reuniões, assembleias, sínodos ou similares em qualquer âmbito em que as lideranças e participantes querem ouvir apenas o que lhes agrada ou em que, tacitamente, todos sabem o que é permitido ou não falar.

Os gestos e as atitudes do pontificado de Francisco têm alimentado com ânimo e esperança aqueles que, na Igreja e no mundo, também têm abertura à comunicação para gerar bons entendimentos para avançar na história e não ficar na ilusão de um passado que não voltará. Oxalá os diversos movimentos, lideranças, dioceses, congregações e paróquias tenham a mesma disposição para o diálogo verdadeiro com as pessoas e com o mundo e usufruam sempre mais do testemunho e dos exemplos do papa.

 

* Paulino, jornalista, mestre em Comunicação pela PUC-SP, onde também cursa doutorado na mesma área. Tem colaborado com a editora Paulus em diversas áreas de suas publicações. Publicou, pela Paulus, o livro A ditadura continuada, no qual trata das ligações entre os meios de comunicação hegemônicos no Brasil e a política na atualidade.

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