Advento: a revelação do Deus que vem
Pe. Lício de Araújo Vale
O ser humano é um ser que caminha, que peregrina; é um ser em êxodo. Esta é a condição da existência humana na busca pelo sentido, em direção à Pátria Celeste, ou como chama o teólogo Bruno Forte, “à Pátria Trinitária”. Em meio às dificuldades, dores, decepções e questionamentos da história e do coração humano, na angustiante possibilidade do nada e do fim trágico, eis que irrompe a novidade: “Deus vem!” Aflora a esperança e ganha forma a nostalgia fazendo novas todas as coisas. O advento de Deus é revelação. “Já estou chegando e batendo à porta. Quem ouvir minha voz e abrir a porta, eu entro em sua casa e janto com ele, e ele comigo” (Ap 3,20). No espaço da escuta, completa-se o milagre do advento divino: Deus fala. A Palavra revelada vem dar sentido à existência e à história humanas. O Advento acolhe o Êxodo. Se o êxodo pode ser caracterizado, como o peregrinar humano em direção a Deus, como busca pelo próprio sentido do existir; o advento por sua vez, “é o mundo da eternidade enquanto se volta ao homem e visita sua casa, é o livre auto destinar-se de Deus à criatura e o gratuito dom da autocomunicação divina”.
É dentro desta riqueza teológica que o tempo litúrgico do advento considera todo este mistério da vinda do Senhor na história: celebra o Deus que age na história; o Deus da Aliança que vem agir nos acontecimentos para salvar. O Advento é o tempo, torna-se sacramento do agir de Deus.
Outro aspecto importante do Advento é que ele também recorda a dimensão escatológica do mistério cristão, no qual Deus está sempre presente para salvar. Ele ultrapassa a dimensão individualista é estática dos novíssimos (morte, juízo, purgatório, inferno e paraíso) para uma visão escatológica na qual, como já vimos, a história é o lugar do agir de Deus, lugar da realização das promessas, direcionando para a Parusia, ou seja, “o dia do Senhor”. Somos e fomos reservados para a salvação, mas esta herança se revelará somente no fim dos tempos.
Uma outra dimensão importante do Advento é que ele apresenta o Deus da libertação que entra no coração dos homens e mulheres, o protetor e defensor da causa dos pobres e oprimidos. A missão cristã, à luz do advento, suscita esperança dos fracos e humildes e não apoia os poderosos deste mundo. Ele nos faz compreender que o mistério salvífico e nos ajuda a nos comprometermos no anúncio e no testemunho do Reino de Deus. A espiritualidade do tempo do Advento é, portanto, um convite aos cristãos a viverem a expectativa vigilante e alegre do Senhor que vem, a reavivar em nós a esperança, a conversão e a pobreza. É uma espiritualidade que remete para aquilo que é essencial na vivência cristã de nossa fé.
O olhar dos cristãos, no Advento, se fixa na esperança segura do cumprimento final, da Promessa, a vinda gloriosa do Senhor: “Maranatha: vem, Senhor Jesus”. Toda a Igreja anseia por isso e como já vimos no início deste artigo, todo o nosso peregrinar nesta terra visa este encontro glorioso com o Senhor. É uma expectativa vigilante acompanhada do convite à alegria, porque aquilo que esperamos certamente acontecerá.
Um dos grandes desafios do nosso tempo é como viver concretamente a espiritualidade do Advento, não ignorando que neste período, na nossa sociedade tecnológica e consumista , coincide com o lançamento comercial das “compras de Natal”, justamente por isso, devemos nos comprometer a transmitir os valores e atitudes que estejam de acordo com a visão escatológica transcendental da vida.
Se a pastoral for guiada e iluminada por estas perspectivas teológicas profundas e estimulantes, encontrará na Liturgia do tempo do Advento – pois a liturgia é ”a fonte de onde emana toda a força da Igreja e cume para qual tende toda a sua ação” (cf. SC 10) – o meio necessário e ocasião propícia para enriquecer os cristãos, bem como alimentá-los como o Puro Pão da Palavra, construindo, assim, comunidades que saibam ser a “alma do mundo”, como nos diz a Carta à Diogneto, referindo-se aos fervorosos cristãos das origens.
Por fim, à luz do mistério de Maria, a Virgem do Advento, a Igreja vive neste tempo litúrgico a experiência de ser agora “ como uma Maria histórica” que possui e dá aos seres humanos a presença e a graça do Salvador.
A espiritualidade teológico sacramental do Advento resulta assim numa espiritualidade comprometida, um esforço feito pela comunidade para recuperar a consciência de ser Igreja para o mundo, reserva de alegria e esperança (como pede o Papa Francisco). Mais ainda, de ser Igreja para Cristo (também presente no próximo caído pelos caminhos da vida), Esposa vigilante e exultante no louvor do Senhor que vem.
Pe. Lício de Araújo Vale é pároco na Paróquia da Sagrada Família, Diocese São Miguel Paulista – SP