O Suicídio de Padres no Brasil

Pe. Lício de Araújo Vale – Diocese de São Miguel Paulista

A morte do padre José Aparecido Bilha, de 63 anos, da Diocese de Toledo-PR, cujo corpo apresentava “ferimento de faca no pescoço” ainda está sendo investigada. O padre sofrera ameaças dias antes. Sua morte desencadeou em mim um profundo mal estar. E precisa ser esclarecida o mais breve possível.

Mesmo a fé sendo uma aliada essencial para dar sentido à vida, e os líderes religiosos, importantes alicerces para a garantia da doutrina de fé, algo tem acontecido que extrapola a força da crença e da vocação. Vem ocorrendo um aumento no número de suicídios de padres no Brasil.  A desconfiança é que eles tenham passado pela síndrome de burnout, a cobrança excessiva e sofreram de solidão.

O Estresse ocupacional

A reflexão sobre o estresse ocupacional é nascente nas igrejas cristãs, de maneira especial na Igreja Católica. É urgente e necessário que se façam estudos e pesquisas sobre  isso e a sua relação com o sacerdócio ministerial a fim de ajudar a compreender uma série de fenômenos que acontecem tanto com padres como com outras lideranças religiosas no que se refere ao cansaço, ao desânimo, à frustação e/ou à profissionalização do ministério sacerdotal.

Na segunda parte de seu livro “A hora de Deus – A crise na vida”, o padre  AmedeoCencini(2011, 7), especialista no acompanhamento psicológico e espiritual de padres, retrata as grandes áreas em que normalmente as crises acontecem na vida do padre e, penso eu, em grande parte das lideranças religiosas, a saber:

  1. a) crise de identidade;
  2. b) crise da afetividade/sexualidade;
  3. c) crise da vocação e fidelidade.

Não saber lidar bem com as crises pode levar o líder religioso a um permanente estado de cansaço.

Conhecer e discutir a saúde psíquica do presbítero é urgente e necessário. Vários Regionais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a própria Comissão Nacional dos Presbíteros estão abrindo espaços para a discussão desse tema candente e urgente, incentivando sua abordagem. Minha impressão, tanto pessoal como conversando com colegas e estudando o assunto, é de que no clero e nas lideranças religiosas os fatores que podem desencadear o estresse ocupacional têm conotações especificas. Cito algumas a título de exemplo.

Quanto à exaustão emocional, é possível perceber que os principais aspectos que podem levar um sacerdote à exaustão estão associados ao cansaço físico, às relações interpessoais, ao envolvimento emocional e ao amadurecimento profissional. Com relação ao cansaço físico, pode-se observar que esse aspecto tem a ver com fatores tais como: término das forças físicas; grande demanda de atividades pastorais; falta de um tempo específico para o repouso; falta de visão por parte dos membros das comunidades de que o padre é uma pessoa como outra qualquer e que precisa repor suas energias ao final do dia. Cuidamos muito dos outros, mas pouco de nós mesmos.

Um padre, que é também psicólogo, relatou-me um dia:

Na minha realidade isso é fato, porém vejo alguns colegas meus reclamando do cansaço físico, ou seja, em algumas igrejas eles ficam cansados, pois o trabalho é grande, geralmente são os únicos padres na paróquia e atendem muitas comunidades. Para você ter uma ideia, há uma paróquia na minha diocese que tem sessenta comunidades rurais, o que dificulta ainda mais o trabalho. Como padre e psicólogo, tenho recebido algumas demandas nessa área e a reclamação é a mesma: “Estou ficando esgotado no ministério”. Há uma clara ligação entre exaustão emocional e a sensação de esgotamento físico, de não dispor mais de energia, de haver chegado ao limite das forças físicas, mentais e espirituais.

 Se o padre tem uma tendência mais centralizadora, se tudo passa por ele, sem que ele confie ou delegue funções aos leigos, o cansaço aumenta significativamente.

Outro problema que afeta líderes religiosos são as relações interpessoais. Percebe-se que alguns sacerdotes têm dificuldades para relacionamentos, e isso pode ocorrer porque de fato há pessoas mais difíceis do que outras, mas, no caso de líderes religiosos, há uma tendência de ter em seu entorno quem sempre quer ter total atenção para seus problemas.

   Poucos são os colegas e as pessoas maduras que nos acolhem, ajudam, partilham verdadeiramente suas vidas e aceitam a nossa humanidade. Como muitos não têm essa possibilidade, muitas vezes, buscam mecanismos de fuga como o vício na internet, no álcool, e até uma vida dupla, o que agrava muito esse quadro relacional e a busca por um equilíbrio entre a identidade profissional e pessoal.

  Todos esses fatores levam ao risco de o líder religioso querer se isolar, afastando-se de pessoas e colegas de ministério, como estratégia para se defender do esgotamento e da falta de energia que essa atuação “profissional vinte e quatro horas” provoca.

Nos bate-papos informais, vários colegas padres relatam que isso acontece principalmente por ser o cuidado com as pessoas a função primordial do ministério pastoral. Além disso, tem-se a ideia de que nós, padres, somos autossuficientes por estarmos amparados pela fé. No entanto, garanto que padres também passam pelas mesmas questões que qualquer pessoa na sua condição de humanidade passa. Também temos problemas, precisamos de conselhos, precisamos desabafar, nos queixar, compartilhar angústias e sofrimentos.

 Outro aspecto que me parece importante se refere ao amadurecimento pessoal e espiritual. Alguns textos, tais como o do padre Alberto Antoniazzi, que tem como título “Presbíteros: o desafio da mudança “(2004, 21-25), evidenciam que no ministério há imaturidade, e isso tem levado muitos padres à exaustão emocional relacionada à falta de experiência, à complexidade das questões que afligem os membros das comunidades e pastorais, à impaciência, à busca por resultados mais rápidos, à tentativa de resolver alguns problemas sem orientação, à falta de sabedoria e a emoções desequilibradas.

 Primeiro, a questão da experiência. A vitalidade física de um jovem padre, por exemplo, não conta muito na hora de comunicar a uma mãe o falecimento de seu filho. É normal que um padre jovem e inexperiente tenha mais dificuldades para lidar com questões complexas que afligem todos os seus fiéis de todas as faixas etárias.

 A psicóloga Ana Maria Rossi coordenou a pesquisa da Isma Brasil 2008, sobre prevenção de estresse, que apontou a vida sacerdotal como algo que abrange uma das profissões mais estressantes; ela afirma que “um dos fatores mais estressantes da vida religiosa é a falta de privacidade. Não interessa se os padres estão tristes, cansados, doentes, padres tem que estar a disposição dos fiéis vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana” (BERNARDO, 2017).

 A SOLIDÃO

Ficar longe da família também pode ser uma condição que agrave o estresse ou que potencialize as fragilidades do líder religioso.

Os padres em geral e os diocesanos em particular, queixam-se de muita solidão, moram sozinhos, tem poucos vínculos afetivos com colegas de presbitério.

A COBRANÇA EXCESSIVA

Outro aspecto importante é que, diferentemente do padre de antigamente, o padre hoje, além de Filosofia e Teologia, tem que entender de Economia, Psicologia, Direito, Administração, Parapsicologia, Contabilidade, Medicina, enfim… Ele tem que dar respostas para os mais diferentes campos do saber sem ter recebido nenhuma formação para isso. A busca por ajuda não vem mais focada apenas na questão espiritual. O ser humano está cada vez mais complexo. Além disso,  a vida sacerdotal é mais atribulada do que a maioria das pessoas imagina.

Em outra frente está a questão dos padres idosos e doentes, que acabam sofrendo de solidão, angústia, depressão e, em alguns casos, abandono, muito mais do que da síndrome de burnout.

No que se refere a líderes religiosos e aos padres em particular, precisamos criar espaços para que o encaminhamento a psiquiatras e psicólogos seja visto com mais naturalidade, assim como quando se encaminha um paciente com doenças bucais ao dentista ou alguém com um problema na vista que procura o oftalmologista.

 É preciso desenvolver ações que favoreçam: o respeito aos limites humanos e ministeriais, a amizade entre os padres para que aconteça uma verdadeira comunhão fraterna de vida e ministério, sempre buscar e oferecer ajuda quando puder e ou outro precisar, evitando estresse ocupacional, cobrança em excesso e solidão.

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