Pandemia e saúde mental: a importância de reconhecermos o que e quem nos ajudou
Renan S. Carletti – Psicólogo e professor universitário
A pandemia, iniciada em março de 2019 no Brasil, mostrou-se como um momento específico diante do que estávamos acostumados a viver. Como uma interrupção na rotina, ela nos pegou de surpresa e colocou-se como um desafio diante de nossas vidas já acostumadas com um ritmo ao qual seguíamos cotidianamente. Essa quebra foi enfrentada de diversas maneiras pelas pessoas e foi para alguns um momento de reflexão, para outros um período de tédio, e também, uma experiência de solidão devido às medidas de isolamento social.
Entendo que esse último ponto é o que mais se aproxima sobre o trabalho do psicólogo e sua contribuição diante dessa situação. A dificuldade de lidar com uma situação inesperada e a desordem gerada pela pandemia, aparecem como importantes pontos de dificuldade para seguir com nossas vidas em nossas casas. Diante disso, a procura por uma ajuda profissional pode ser pertinente.
Ao atender diversas pessoas nesse período, me deparei com muitas histórias de pessoas que haviam perdido familiares para a Covid-19 ou pessoas próximas que haviam ficado gravemente afetadas. A experiência de luto, por mais dolorosa que seja, pode ser distinguida de uma situação de sofrimento mental intenso, a qual demanda a busca de um profissional para auxiliar a situação.
A dor da morte de uma pessoa, não necessita, obrigatoriamente, de ser cuidada como um aspecto de saúde mental. Ela pode ser cuidada por relações cotidianas com amigos, familiares, comunidade religiosa, entre outros. O luto, em geral, não deve ser assimilado como algo patológico, excetuando alguns raros casos em que isso pode ocorrer devido ao seu prolongamento de forma intensa, quando pode-se então procurar ajuda especializada.
Essas relações cotidianas que nos auxiliam no atravessamento do luto também nos ajudam nos demais sofrimentos cotidianos. Ainda que na pandemia, o distanciamento social tenha afetado essa proximidade, entendo que não devemos confundir esse período que passamos com a “necessidade de fazer terapia” como muitas pessoas entenderam. Os sofrimentos cotidianos podem ser cuidados poressas relações que cultivamos em nosso dia-a-dia, não tornando necessária a busca individualizada por um tratamento.
Ainda que tenhamos vivido dificuldades nesse período é importante salientar a diversidade de elementos que podem colaborar para a saúde mental como: realizar atividades significativas e que tenham sentido do ponto de vista pessoal, manter contato com pessoas que considera importante mesmo que a distância por meio de ligações ou chamadas de vídeo e também, se for seu caso, encontrar um suporte em sua comunidade religiosa e nas práticas de orações cotidianas.
Essas e outras práticas como exercício físico, leitura, prática de um instrumento musical formam algumas das diversas possibilidades que temos para cuidar de nossa saúde mental. Esse ato de cuidado não está restrito a ir ou não até um profissional de psicologia, ele pode estar colocado em nossos hábitos e rotina durante nossos dias.
Claramente, entendo que podem haver casos que essa busca seja pertinente, entretanto, me parece que a pandemia pode ter gerado um efeito de “todos nós precisamos fazer terapia”, perspectiva da qual não compartilho e que inclusive, acredito ser danosa, uma vez que, as relações cotidianas e comunitárias podem acabar por ser desconsideradas como aspectos primordiais da saúde mental.
Por mais que tenha sido vivida de forma ampla e diversa, a pandemia também foi um momento de incerteza diante do presente e do futuro. Cabe-nos reconhecer aquilo que nos auxiliou a enfrentar essa turbulência e que nos acalmou nos momentos em que nos sentimos mais aflitos.
No meu caso, a música foi um grande auxílio. Recorria sempre aos meus cantores e bandas preferidos, cantava junto em chamadas de vídeo como um coro que me fortificava diante da situação em que vivia. Era como se aquelas pessoas e aqueles músicos e cantores estivessem ali comigo, me fazendo companhia e me ajudando a suportar aquele momento de isolamento. Suspeito que você pode ter encontrado sentido em outra atividade, talvez no ato de cozinhar, nas suas leituras, no convívio familiar, nas suas orações; cada uma dessas formas pode ter ficado marcada como um aspecto importante que te auxiliou a suportar o que a pandemia nos trouxe.
Por fim, mesmo em nossas casas, atravessamos e continuamos a percorrer esse momento juntos. Trazemos lembranças, dores, lutos, dificuldades, mas junto a isso, também a esperança e a coragem que nos auxiliram a seguir adiante com nosso trabalho e as pessoas que amamos. A busca por um profissional de psicologia pode ter sido uma opção ou mesmo uma escolha importante em algum momento, mas importante lembrar que ela é momentânea.
Como afirma o psicólogo americano IrvinYalom, paciente e terapeuta são como “companheiros de viagem”. Depois de um período juntos, ambos seguem seus caminhos modificados pelo encontro que tiveram. Para isso, é importante que existam outras pessoas ao nosso redor para seguirem conosco nessa estrada da vida
*Psicólogo e professor universitário do Centro Universitário Claretiano de Rio Claro no curso de Psicologia. Doutorando pelo Instituto de Psicologia da USP (IPUSP)