A Igreja é um “serviço essencial”?

Gabriel Garcia – Niterói

@gabrielgarciarb

Ao mesmo tempo em que o Brasil vem quebrando seguidos recordes de mortes diárias decorrentes da Covid-19, proliferam-se as discussões sobre a participação presencial dos fiéis nas missas. O que se tem visto são argumentações no sentido de que as nossas igrejas correspondem a “serviços essenciais”, ou, em outros casos, de que “não podemos deixar de ter acesso aos sacramentos”. Esses argumentos, embora possam ter contornos de boa vontade, não condizem com a vivência mais radical de nossa espiritualidade.

Em primeiro lugar, salta aos olhos um equívoco jurídico. Muito tem se falado que as igrejas representam um “serviço essencial”. A Igreja, porém, não é um serviço público, nos termos em que se tem colocado. Não nos dirigimos à igreja para obter a satisfação de uma necessidade pessoal ou para exercermos um direito subjetivo.

A igreja é, antes de mais nada, um espaço de comunhão, em que nós, fiéis, é que exercemos o dom do serviço aos irmãos e à comunidade. Ir à igreja é um ato de serviço nosso, não de Deus. Deus não nos presta serviços. Essa compreensão é fundamental para que se evitem certas concepções da fé num âmbito estritamente individual.

Por outro lado, no âmbito teológico, há que se fazer algumas considerações sobre a Eucaristia, principal sacramento da Igreja. É bem verdade, como todos sabemos, que a Eucaristia é a encarnação do próprio Cristo, apresentado e partilhado entre a comunidade. Nesse sentido, a celebração da missa virtualmente nos impede de comungarmos da hóstia em espécie, o que tem gerado tristeza e frustração em muitos de nós.

No entanto, é necessário termos muita clareza de que comer a hóstia consagrada não é a única forma de se viver o sacramento da Comunhão. Afinal, Jesus está presente não só no pão, mas também na Palavra, na própria assembleia, na oração e até no canto[1]. Além disso, é preciso muito cuidado para que não se reduza o principal sacramento de nossa fé a uma perspectiva materialista, em que somente o encontro físico da boca com a hóstia produziria efeitos espirituais.

Questionemos a nós mesmos: o que é a Comunhão? Como ela se manifesta em nossas vidas? A Comunhão é o sacramento pelo qual nos unimos à Igreja para formar um só corpo[2]. Ou seja, é por meio dela que nos constituímos como comunidade, que se preocupa com o sofrimento do outro.

Sobretudo numa época como a que vivemos, em que chegamos à marca de mais de 4 mil mortos em um só dia, a Comunhão espiritual, meditada em casa, é não só um direito, mas um dever de nós, cristãos, comprometidos com a Vida. Afastar-se do templo físico neste momento talvez seja a maior expressão da Comunhão em nossas comunidades. Se, num momento tão grave quanto este, não somos capazes de reconhecer a necessidade do nosso sacrifício, que tipo de espiritualidade é a nossa?

É preciso manter-se atento ao perigo de uma religiosidade pobre, que não leva a uma profunda espiritualidade. Sem a espiritualidade, a religião perde o sentido. Comungar espiritualmente é um exercício difícil, mas necessário, de vivência da fé. Cremos tanto, que, num momento de excepcionalidade, conseguimos comungar com a comunidade mesmo de longe. Isso é, sem dúvidas, uma forma de estar em comunhão, num tempo de fechamento dos templos (dos templos, não da Igreja).

Lembremos, ainda, que a Eucaristia “é também um gesto profético de compromisso ético e social”[3]. Viver o sacramento da Fração do Pão é também assumir um compromisso de promoção à Vida, o que nos impede de sermos individualistas num momento tão delicado. Em outras palavras, impede que encaremos a Igreja como um órgão prestador de serviços a nós.

[1] Sacrosanctum Concilium, n. 7.

[2] Catecismo da Igreja Católica, n. 1331.

[3] Guia Litúrgico-Pastoral. Brasília, Edições CNBB, 2017, p. 38.

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