Contra a violência

Frei Darlei Zanon *

Neste mês de fevereiro, quando iniciamos o caminho quaresmal – marcado pela penitência, realização constante de jejuns, conversão e preparação dos catecúmenos para o batismo – o Papa Francisco nos convida a refletir e ter presente nas nossas orações um tema muito delicado: a violência contra as mulheres. Mais especificamente, a sua intenção de oração pede para que “rezemos pelas mulheres vítimas de violência, para que sejam protegidas pela sociedade e os seus sofrimentos sejam considerados e escutados”.

A sensibilidade do Papa pelos mais frágeis e necessitados é visível em todas suas ações e mensagens. São constantes as suas denúncias contra realidades e contextos de opressão e exploração, e mais frequentes ainda são suas iniciativas em favor dos excluídos. A intenção de oração do mês se insere nesse itinerário de Francisco de recordar e rezar pelas categorias que vivem a Quaresma o ano inteiro, que conhecem de perto a dor, mas poucas vezes são tocadas pela alegria da ressurreição. 

Um dos argumentos recorrentes no seu pontificado diz respeito à valorização das mulheres na Igreja, na família e na sociedade. Neste mês, porém, é ainda mais contundente e denuncia uma ferida profunda da nossa sociedade. São inúmeros os casos de violência contra a mulher, chaga que persiste no mundo moderno apesar de tantos avanços em várias outras áreas. Durante a pandemia gerada pelo Covid19 é ainda mais evidente esta problemática. Em situação de stress e confinamento, quem acaba por pagar a maior conta são sobretudo as crianças e as mulheres, aumentando consideravelmente as denúncias de abuso e violência doméstica. Isso sem contar tantas mulheres que sofrem em silêncio pela impossibilidade de buscar ajuda e proteção.

De modo amplo, se considera exploração e violência contra a mulher qualquer forma de violação dos direitos humanos que ocorra independentemente de raça, religião, etnia, orientação sexual ou faixa etária. Essas violações incluem por exemplo o estupro, o abuso sexual, o feminicídio, a violência física, familiar, obstétrica, patrimonial, institucional, moral. Apenas para citar um exemplo, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho, cerca de 40 milhões de pessoas são vítimas do tráfico de seres humanos em todo o mundo, das quais cerca de 25 milhões são obrigadas à escravidão e 15 milhões ao casamento forçado. A grande maioria destas vítimas são mulheres, traficadas para fins de exploração sexual, matrimônio forçado, escravidão sexual ou doméstica e várias outras formas de agressão. Em alguns países, sobretudo onde se vive guerras, o estupro é outra problemática muito forte. Enfim, a lista de abusos seria longa.

Na sua intenção de oração, o Papa pede para irmos além do reconhecimento desta realidade de violência. Exorta a que as mulheres “sejam protegidas pela sociedade e os seus sofrimentos sejam considerados e escutados”. É um itinerário fundamental que a Igreja tem tentado trilhar e que seria muito bom ter presente nas nossas orações. São diversas as ações concretas, promovidas tanto pelo Vaticano, como por diversas congregações religiosas e pelas Igrejas locais.

Na Nigéria, por exemplo, a Igreja se associou ao Governo para combater crimes como o estupro e o tráfico de pessoas. Outro bom exemplo vem da União Internacional de Superiores Gerais, que nos últimos três anos formou cerca de quarenta consagrados e consagradas para ajudar as mulheres vítimas de violência sexual. Aqui na América Latina, a Academia de líderes católicos, em parceria com algumas Universidades Católicas, promove um curso online de especialização em Doutrina Social da Igreja com o tema: “Mulheres na vida pública: feminismo e identidade católica no século XXI”, a fim de valorizar a mulher e a sua participação na vida pública. E para citar apenas uma das tantas iniciativas do Papa Francisco, em maio de 2019 promulgou o moto próprio Vos estis lux mundi (“Vós sois a luz do mundo”) que transforma em lei eclesiástica a proteção aos menores, e que se estende a todas as vítimas de abusos sexuais, incluindo as mulheres. Como formas concretas e eficazes de escuta das vítimas, este documento exige que “se adotem, a nível universal, procedimentos tendentes a prevenir e contrastar estes crimes que atraiçoam a confiança dos fiéis”.

Que ao longo do mês de fevereiro todas as nossas comunidades possam estar unidas em orações e ações no combate a qualquer forma de abuso e violência contra as mulheres, na certeza de que, como afirma o próprio Papa: “Onde as mulheres são marginalizadas, é um mundo estéril, porque as mulheres não só dão a vida, mas nos transmitem a capacidade de olhar além, de sentir as coisas com o coração mais criativo, mais paciente, mais tenro.”

* Religioso Paulino

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