GAMES: O que podemos aprender e conquistar com eles
Ednoel Amorim *
Estamos passando por tempos sombrios. Esta é uma percepção verdadeira e sentida por todos. O próprio Papa Francisco alertava para essa realidade quando rezou na praça São Pedro: “Densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se das nossas vidas, enchendo tudo dum silêncio ensurdecedor e um vazio desolador, […] Revemo-nos temerosos e perdidos.” (Momento extraordinário de oração em tempo de pandemia, 27 de março de 2020).
Momentos como esses são raros, porém situações limites são uma constante em nossa vida. Praticamente a todos os momentos estamos sujeitos a nos depararmos com problemas que exigirão muito de nós. Como nos preparar para isso? Como fortalecer nossa vontade? Existe um jeito melhor ou pior de posicionarmo-nos frente à realidade? O que podemos fazer?
É uma triste realidade. Cada dia mais pessoas se encontram perdidas, sem saída, sem sentido. São perguntas intermináveis, angústias de toda ordem, sofrimentos que nos desinstalam. O pior é que muitas dessas reflexões são feitas quando já é tarde demais, no fim da vida. O fato é que esse fim chega de improviso, pode ser hoje, pode ser agora. Por isso o momento para fazermos algo por nós mesmos é o presente.
Um dos recursos fantásticos que temos a nossa disposição é a tecnologia. Neste texto de modo especial, gostaria de destacar a utilização dos jogos, como um recurso para uma vida melhor. Jane McGonigal uma reconhecida Designer de Jogos elaborou um estudo no qual, segundo ela, os jogos tem um papel decisivo na construção de um mundo melhor. Para ela é de fundamental importância que passemos a utilizar cada vez mais jogos maiores e melhores dando preferência aos do tipo on-line.
Em sua pesquisa no Instituto para o futuro, McGonigal constatou que o mundo inteiro jogava em média três bilhões de horas por semana, em 2010 (https://youtu.be/dE1DuBesGYM), o que para alguns pode ser tempo demais, levando em consideração que temos muitos problemas urgentes e reais para resolver. No entanto, ela defende que esse tempo ainda é pouco. Segundo a pesquisadora, se quisermos sobreviver nos próximos anos em nosso planeta devemos elevar a marca para 21 bilhões de horas em jogos on-line por semana. Podemos dizer que uma pessoa deva dedicar ao menos uma hora por dia em jogos on-line.
McGonigal justifica sua proposta apresentando uma análise dos perfis de jogadores. Ela percebeu características como: senso de urgência, medo, concentração intensa e o mais importante, foco profundo ao lidar com um problema realmente difícil. Para quem nunca teve a experiência de um jogo imersivo não saberá o que isso significa, daí a importância que joguemos mais e deixemos de lado os preconceitos que rotulam aos jogadores como pessoas que perdem tempo. Na prática, jogos de um modo geral possuem um potencial lúdico, educativo, imersivo etc., muito mais profundo do que imaginamos.
As descobertas de McGonigal nos fazem perceber que os jogadores são seres humanos melhores no mundo virtual que no mundo real. Como seria magnífico ver a mesma dedicação na vida real, o mesmo foco, interesse, determinação em resolver problemas. Quando enfrentamos um desafio como a Covid-19, nos sentimos fracassados, tristes, deprimidos. Segundo a PhD, esses sentimentos simplesmente não existem nos jogos. Quando jogamos e nos deparamos com um obstáculo, isso nos motiva a superá-lo, nos lança para frente, nos entusiasma. Falta muito isso em nossas relações e em nosso cotidiano. O próprio Documento de Aparecida sinaliza para a necessidade de um sincero entusiasmo e uma fervorosa ousadia.
Citando o jogo World of Warcraft, o jogo mais popular em sua categoria, ela descreve como o jogo propõe resoluções de problemas de modo colaborativo. Os jogadores nesse ambiente digital precisam trabalhar juntos para solucionar os problemas apresentados pelo sistema. Uma das exigências básicas para o êxito do processo é que a interação dos diversos jogadores seja baseada na confiança. McGonigal descreve que os desafios de um modo geral estão no limite da capacidade do jogador e por isso ele precisa se esforçar para passar de fase, porém as missões nunca são impossíveis, o jogar sabe que suas possibilidades de vencer são reais, o que permite a ele nutrir constantemente sentimentos de esperança.
Nos jogos, observa ela, não existe a possibilidade de parar, ficar sentado e imaginar que a solução vai cair do céu. Chama a atenção a interação dos colaboradores, nele sempre temos alguém que está disposto a concluir a missão, não importa o que acontece na vida real, a missão está sempre sendo desenvolvida por alguém. Caso o jogador precise parar a missão outros irão continuá-la, o sentimento de colaboração é real. A proposta de McGonigal é que a partir do momento que estamos ampliando nossa capacidade de resolver problemas no ambiente dos jogos, estamos nos capacitando, ao mesmo tempo, para resolver problemas na vida real, pois evoluímos e transformamos nossa postura para ser mais colaborativa e amigável.
Automotivação, otimismo urgente, esperança razoável de sucesso, fé em uma vitória, confiança, estabelecimentos de laços, confiança, cooperação, produtividade prazerosa, felicidade em dedicar-se a algo, sentido, capacidade de mudança, tudo isso são disposições de espírito que encontramos nos ambientes dos jogos e em seus jogadores consequentemente. O problema, identificado pela pesquisadora, é que todos esses sentimentos são vividos em ambientes virtuais e parece haver uma percepção coletiva de que tudo isso está restrito ao ambiente on-line, mas não é verdade.
Quando algo é descoberto, quando surge uma grande ideia, isso é capaz de influenciar e alcançar milhões de pessoas. Quando algo é muito bom, ele tem o poder de contagiar a todos, o mal também tem esse poder, por isso devemos trabalhar rápido contra a corrente do mal. McGonigal convocou a todos a buscar transpor a realidade dos jogos para a nossa realidade concreta e construir um ambiente realmente colaborativo, onde possamos fortalecer nossa adesão pela consolidação de um mundo melhor. Sabemos que é possível. A pergunta é: acreditamos naquilo que sabemos?
Hoje, já temos inúmeros jogos que lidam com problemas extremos reais e que repercutem na vida real das pessoas, pois são feitos com parcerias, alguns deles desenvolvidos pela própria McGonigal. O que precisamos agora é de mais designers de jogos que acreditem nessa ideia, que estejam dispostos a desenvolver jogos que potencializem as habilidades humanas. Precisamos de mais pessoas que estejam dispostas a crescer, aprender e a motivar a outros a buscarem nos jogos soluções que visem o bem de todos. A perspectiva lúdica do aprendizado encontra nos jogos on-line um campo propício para que uma nova geração possa crescer com esperança e determinação de que o mundo que sonhamos é possível e deve ser construído por cada um de nós com espírito de confiança e colaboração.
* Ednoel Ribeiro de Amorim é natural do Piauí, licenciado em filosofia pela Faculdade Evangélica do Meio Norte, bacharel em teologia pela Universidade de São Paulo – USP e graduando em Produção Multimídia pela Faculdade Paulus de Comunicação – FAPCOM. Atualmente é postulante da Congregação dos Padres e Irmãos Paulinos.