Homilética: Parábola do bom samaritano

Lc 10,25-37

Dom Anselmo Chagas de Paiva, OSB (Mosteiro de São Bento/RJ)

Caros irmãos e irmãs,

O Evangelho deste domingo inicia com a pergunta que um doutor da Lei faz a Jesus: “Mestre, que hei de fazer para possuir a vida eterna?” (Lc 10, 25). Sabendo que ele era perito nas Sagradas Escrituras, o Senhor convida aquele homem a dar ele mesmo a resposta, que de fato formula perfeitamente, citando os dois mandamentos principais: amar a Deus com todo o seu coração, mente e forças e amar o próximo como a si mesmo. Então o doutor da Lei, quase para se justificar, pergunta: “E quem é o meu próximo?” (Lc 10, 29).

O escriba, que no texto não é identificado pelo nome, conhecia perfeitamente a resposta à pergunta por ele mesmo formulada. A palavra da Escritura é evidente, mas a maneira como deve ser aplicada na prática da vida pode levantar algumas questões que se debatiam.   Na pergunta do escriba há uma dimensão mais profunda do que parece.  Em uma perspectiva judaica, a questão trata dos limites do amor ao próximo.

Na época de Jesus, os mestres de Israel discutiam, precisamente, quem era o próximo. Naturalmente, havia opiniões mais abrangentes e opiniões mais particularistas e exclusivistas; mas havia consenso entre todos no sentido de excluir da categoria “próximo” os inimigos, segundo a Lei, o “próximo” era apenas o membro do Povo de Deus (cf. Ex 20,16-17; 21,14.18.35; Lv 19,11.13.15-18). Jesus, no entanto, tinha uma perspectiva diferente. É precisamente para explicar a sua perspectiva que Jesus conta a parábola do bom samaritano.

Para melhor entender a parábola, convém também ter presente o quadro da relação entre judeus e samaritanos. Trata-se de dois grupos que as vicissitudes históricas tinham separado e cujas relações eram, no tempo de Jesus, bastante conflituosas.

A parábola nos situa em uma estrada de cerca de 30 quilômetros, entre a cidade santa de Jerusalém e a cidade de Jericó. Na época de Jesus é uma estrada perigosa, geralmente com a presença de bandos armados. Um homem não identificado, embora, pelo contexto, possamos imaginar ser um judeu, foi assaltado pelos bandidos e deixado caído na beira da estrada. Trata-se, portanto, e isso é que é preponderante, de um homem ferido, abandonado e necessitado de ajuda.

Pela estrada passaram sucessivamente um sacerdote, que conhecia a Lei e que exercia funções litúrgicas no templo e um levita, ligado à instituição religiosa judaica e que exercia, também, funções litúrgicas no templo. Ambos passaram adiante: ou o medo de enfrentar a mesma sorte, ou as preocupações com a pureza legal, os impediam de contatar um cadáver; ou a pressa, ou a indiferença diante do sofrimento alheio, os impediam de parar. Apesar dos seus conhecimentos religiosos, não têm qualquer sentimento de misericórdia por aquele homem.

Quem ia ao Templo, como o sacerdote, tinha uma desculpa plausível, porque a lei proibia agir no santuário a quem tivesse tocado em sangue ou algo de impuro.  Por isso, o sacerdote e o levita se esquivam.  A piedade deles é reta segundo a letra da lei; mas inoperante, sem consequências.  É uma piedade que se empenha em salvar a si mesmo. 

Então aparece no caminho o samaritano, provavelmente um comerciante, que tinha de passar por esta estrada muitas vezes e que era conhecido do proprietário da estalagem mais próxima; um samaritano, portanto alguém que não pertence à comunidade de Israel e não precisava, consequentemente, olhar para o assaltado como seu próximo.  No entanto, foi ele que parou, sem medo de correr riscos ou de adiar os seus esquemas pessoais, cuidou do ferido e o salvou.

O samaritano parece desconhecer a lei e não conhece suficientemente a grandeza da religião e do seu templo.  Ele ama a quem está necessitando e a quem tem em si uma dignidade que só vem de Deus.  Ele realiza isto numa consciência clara, mas ele o faz numa disponibilidade generosa, capaz de receber a graça de Deus.  O único interesse dele é o outro.  O samaritano não exige do homem atacado pelos ladrões nada em troca.  Ele não pagará nada; não devolverá nada, e talvez nem lhe será útil. 

Ao concluir a parábola Jesus pergunta ao escriba qual deles foi o próximo do homem atingido pelos ladrões.  Em sua resposta o legista judeu evita qualquer menção que pudesse resultar em um elogio ao samaritano.  Não faz referência a ele, mas responde por meio de rodeios: “Aquele que usou de misericórdia para com ele” (v. 37), ao que Jesus responde: “Vai e faze a mesma coisa” (v. 37).

A parábola evangélica narrada por São Lucas faz parte de uma série de imagens e narrações tomadas da vida diária, pelas quais Jesus quer fazer compreender o amor profundo de Deus por cada ser humano, especialmente quando se encontra na doença e no sofrimento. Ao mesmo tempo, porém, com as palavras finais da parábola do Bom Samaritano: “Vai e faze a mesma coisa” (Lc 10, 37) , o Senhor indica qual é a atitude que cada um dos seus discípulos deve ter para com os outros, particularmente se necessitados de cuidados. Jesus espera de nós uma solicitude concreta, como o bom samaritano, por quem está ferido no corpo e no espírito, por quem pede ajuda, ainda que desconhecido e sem recursos.

Recordemos que o próprio Senhor nos deu o exemplo; ele mesmo se fez próximo de nós: sendo Deus se fez homem, veio viver a nossa aventura, partilhar a nossa sorte, para nos dar a sua vida.  O amor ao próximo só corresponde ao mandato e ao exemplo de Cristo, se estiver unido ao amor a Deus. Jesus, que dá a vida pelos pecadores, é sinal vivo da bondade de Deus; do mesmo modo o cristão, através da sua generosa dedicação, faz com que os irmãos, com os quais entra em contato, experimentem o amor misericordioso e providente do Pai celeste.

Todos nós podemos também nos colocar no lugar daquele que estava à margem do caminho. Quantas vezes isso pode acontecer com cada um de nós?  Quantos vezes também nós sentimos abandonados e quantas à margem do caminho?

O relato da parábola do bom samaritano é o que melhor expressa, de acordo com ensinamentos de Cristo, o que é ser verdadeiramente humano.  O samaritano é uma pessoa que vê em seu caminho alguém ferido, aproxima, reage com misericórdia e o ajuda no que pode.  Esta é a única maneira de ser humano: reagir com misericórdia.  Não podemos fugir de quem sofre, tal como fizeram o sacerdote e o levita. Isto não é humano.  A misericórdia é o princípio fundamental da atuação de Deus e o que configura toda a vida, a missão e o projeto de Jesus.  Diante do sofrimento, não há nada mais importante do que a misericórdia.

E o essencial, segundo o Evangelho, é a misericórdia. Deus enviou o seu Filho, Deus se fez homem para nos salvar, ou seja, para nos dar a sua misericórdia. Jesus diz isto claramente, resumindo o seu ensinamento para os discípulos: “Sede misericordiosos, como o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6, 36). O cristão deve ser necessariamente misericordioso, porque este é o centro do Evangelho.  A partir da fé cristã podemos dizer que a misericórdia é a única ação verdadeiramente humana diante do sofrimento alheio que, uma vez interiorizada, se transforma em princípio de atuação e de ajuda solidária a quem sofre.

O novo nesta parábola é a atitude que Jesus exige frente à lei e frente à vida do próximo: o amor.  O amor será sempre necessário e exigirá sempre o compromisso pessoal e voluntário.  Quem ama e serve gratuitamente o outro como próximo, vive e age segundo o Evangelho e participa da missão da Igreja.

Possa a atitude do bom samaritano inspirar todas as nossas ações ao longo da nossa vida. Peçamos a intercessão da Virgem Maria, para que possamos ser artífices da cultura da solidariedade e construtores da civilização do amor e da paz.  Assim seja.

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