Não bastasse a pandemia do Covid-19, o racismo também nos preocupa
Pe. Marcos Paulo Pinalli da Costa*
Segundo o Dicionário da língua Portuguesa Michaelis, entende-se por racismo “a Teoria ou crença que estabelece uma hierarquia entre as raças (etnias); a doutrina que fundamenta o direito de uma raça, vista como pura e superior, de dominar outras; o preconceito exagerado contra pessoas pertencentes a uma raça (etnia) diferente, geralmente considerada inferior e a atitude hostil em relação a certas categorias de indivíduos”.
Quando este assunto é tratado, num contexto contemporâneo recordamos da segregação racial. O pior quando é a política do estado a separar indivíduos ou grupos usando artifícios étnicos, raciais e até mesmo cultural. Os séculos XIX e XX se valeram da segregação como forma de domínio, especialmente na Alemanha nazista e antissemita, na África do Sul pelo apartheid e nos Estados Unidos da América, cujo movimento sulista conhecido foi a Ku Klux Klan.
Podemos citar três líderes mundiais que se destacaram em seus países na luta contra o racismo e o domínio que escravizava e privava seus povos de direitos: Nelson Mandela, que mesmo preso por vinte e sete anos não perdeu a esperança sobre o fim do apartheid; Martin Luther King que num dos seus discursos expressou: “eu tenho um sonho que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia, os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos descendentes dos donos de escravos poderão se sentar junto à mesa da fraternidade” e Ghandi, o protagonista da transformação sócio-política da Índia contra a ocupação britânica pela não violência, fez uso do vocábulo “satyagraha”, ou seja, a “insistência na verdade”.
Nesta segunda década do século XXI o tema racismo, retorna ao cenário nacional e internacional após a morte de Georg Floyd, negro americano por um policial branco. Acompanhamos notícias de protestos em massa em vários países, sobretudo nos EUA, de Los Angeles a Nova York.
Aqui no Brasil, infelizmente e claramente, percebemos a segregação racial e o preconceito contra nossos irmãos negros, índios e mulatos que, ainda se veem longe de ocupar cargos e ofícios cuja maioria predominante é branca. Prova da desigualdade social é o acesso a vagas em concursos e universidades através da lei de cotas. Felizmente, se assim não fosse seria muito pior.
Reconhecemos a importância da Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel aos 13 de maio de 1888 libertando cerca de setecentos mil escravos. Uma grande conquista dos abolicionistas e da nossa nação, mas não garantiu uma vida paritária entre as raças. Somente aos 05 de janeiro de 1989, isto é, quase cento e um anos depois foi sancionada a Lei CAÓ (iniciais do nome de Carlos Alberto Oliveira, deputado autor) tornando crime os atos de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Quanto à lei de cotas para ingresso nas universidades e pedido de políticas públicas no Brasil o MNU (Movimento Negro Unificado) em 1978 reforça este antigo pedido. Em 2003, a UERJ, Universidade Estadual do Rio de Janeiro reservou em seu vestibular cotas para o ingresso de negros, pardos e indígenas, seguido pela UNB, Universidade de Brasília, a primeira Federal. No entanto, sua regulamentação no nível federal foi Decretada no dia 11 de outubro de 2012.
As Sagradas Escrituras nos ensinam que Deus criou a sua imagem e semelhança o homem e a mulher, mas não aponta características étnicas deste casal que conhecemos por Adão e Eva. Nosso Senhor Jesus Cristo envia seus Apóstolos a pregar e batizar todos os povos. Em Pentecostes, quando os Apóstolos pregavam em Jerusalém, povos diferentes ouviram em sua própria língua o que falavam, cf. At 2, 7-11.
Enumero agora alguns santos de pele negra ou mulatos, para surpresa de muitos: Santa Mônica e seu filho Santo Agostinho, de Hipona são africanos da Argélia; São Martinho de Lima, filho de uma escrava panamenha liberta, de ascendência africana e indígena com um nobre espanhol que vivera no Peru; Santa Josephine Bakhita, africana nascida em Darfur no Sudão, vendida várias vezes como escrava, conseguindo a liberdade na Itália, batizada com 27 anos e tornando-se Irmã pela Congregação das Irmãs Canossianas; São Benedito, o Negro, filho de escravos, nasceu na Sicília (Itália), tornou-se Frei Franciscano e Padre e São Maurício de Tebas, africano do Egito, recrutado e feito capitão da Legião Romana Tebana. São Maurício sofreu o martírio por se recusar a oferecer sacrifícios aos deuses romanos por ordem do Imperador Maximiano para agradecer a vitória da sua Legião e não guerrear contra uma rebelião cujos dissidentes eram cristãos. Na Europa ocidental São Maurício é muito popular e padroeiro de algumas regiões da França, Suíça, Espanha, Itália e do sul da Alemanha.
Nossa pátria definitiva é o céu, cf. Fl 3,20 e jamais será levado em conta para sermos aceitos a nossa nacionalidade, sobrenome, estado civil, estatura, idade, grau de instrução, cor da pele, dos olhos, impressão digital, tipo de cabelo ou falta dele, CPF, RG, profissão, conta bancária, classe social, senhas para acessar diversos serviços, time pelo qual torço entre outros quesitos. Para entrar no céu, nosso Senhor Jesus Cristo ensinou que é necessário crer e ser batizado, cf. Mt 16,16. São Tiago nos ensina que não basta crer, precisamos ter fé e obras, sem as obras a fé é morta, cf. Tg 2, 18.
Quanto às obras, a Igreja nos apresenta sete obras de misericórdia corporais e sete espirituais. As corporais são: dar de comer a quem tem fome; de beber a quem tem sede; vestir a quem está nu, acolher os estrangeiros e peregrinos; cuidar dos enfermos e visitar os presos. As espirituais são: Dar bom conselho; ensinar os ignorantes; corrigir os que erram; consolar os aflitos; perdoar as injúrias; suportar com paciência a fraqueza do próximo e rezar a Deus pelos vivos e pelos mortos.
Enfim, não é possível ser racista, preconceituoso, soberbo, arrogante, desejar e praticar o mau para ser melhor e querer ser salvo ou desejar um mundo melhor. O amor a Deus supõe o amor ao próximo. Enquanto houver desigualdade racial e protestos pelos direitos humanos não podemos nos omitir. Isto indica que parte da humanidade está psiquicamente doente. Não bastasse a pandemia do Covid-19 a nos preocupar, o racismo, a fome, a corrupção, a destruição da natureza, os maus tratos aos animais, as guerras e toda forma de imoralidade enquanto sinônimo de pecado. Pelo isolamento social temos ficado mais tempo dentro da nossa casa, mas a nossa casa comum está em ruínas.
Em seu diário espiritual, a francesa Elizabeth Leseur escreveu estas duas frases: “Uma alma que se eleva, eleva o mundo inteiro” e “As nossas ações e as nossas omissões têm repercussões que vão até o infinito…”
Pe. Marcos Paulo Pinalli da Costa é Sacerdote da Diocese de Campos-RJ.