Pandemia e as experiências pastorais da Igreja
Num tempo marcado pelas mortes pelo Covid 19 a assistência da igreja ajuda as famílias a ressignificação do luto. Em Porciúncula Pe. Thiago Linhares está realizando as cerimonias fúnebres com todos os protocolos sanitários, com distanciamento social e restrito aos familiares. Na Diocese de São Miguel Paulista, Pe. Lício do Vale fala da experiência pessoal da morte de pessoas amadas e a missão de confortar as pessoas neste tempo.
Ricardo Gomes – Diocese de Campos
Experiências pastorais adaptadas a pandemia. Na Diocese de Campos, Pe. Thiago Linhares, da Paróquia Santo Antônio, em Porciúncula tem realizado as cerimonias fúnebres com todos os cuidados sanitários e levando o conforto as famílias que perderam seus entes queridos pelo Covid 19. Cerimonias simples, com a presença de familiares, mas com o profundo zelo pastoral.
– Penso que grande parte da população teve medo. O desconhecido causa essa auto-defesa. Mas o senso de responsabilidade pastoral também fala bem alto nestes momentos. Aqui em nossa realidade podemos assistir as famílias e os fiéis defuntos vítimas da covid atendendo as medidas de segurança. Geralmente, à porta do cemitério, com o caixão ainda no carro da funerária, e com a presença reduzida de familiares, fazíamos um rito breve -ou até brevíssimo, segundo as condições- de exéquias. E, por vezes, quando a família não podia estar presente, uma pastoral de nossa paróquia rezava o terço do em frente a casa da família, também cumprindo todas as exigências sanitárias. O tempo atual exige encontramos novas formas de presença, que atenda tanto o distanciamento quanto a proximidade espiritual. O distanciamento não pode ser desaparecimento, por isso a importância de se redescobrir novas formas de presença.
O sacerdote destaca que a partir de cada situação e dentro de cada realidade a Igreja precisa acompanhar, como sempre fez ao longo da história, também este momento, novo e exigente, do nosso tempo. Oferecer um sepultamento cristão, além de ser sinal do cuidado da Igreja para com o fiel defunto, é também um conforto espiritual e humano para os familiares, que já passando pela dor da perda ainda tem de se submeter à traumática despedida exigida pelas medidas sanitárias. Aos que não puderam realizar pelo menos as orações finais, há sempre a mesma queixa: ” parece que o ciclo não se completa.”
Da experiência pessoal à missão pastoral
Pe. Lício de Araújo Vale, da Diocese de São Miguel Paulista (SP), parte de sua experiencia pessoal de perdas na sua comunidade paroquial e a dor fez ressignificar a sua missão pastoral buscando mediante as celebrações fúnebres de despedidas levar as famílias enlutadas o conforto no momento da perda de um familiar para o vírus. O sentimento de não poder realizar as despedidas, e nem nos últimos momentos poder estar perto.
– Perdi na semana que passou três pessoas muito queridas pelo Covid-19.Isso me fez de novo ficar em luto, viver meu luto, refletir sobre o luto.Dor talvez seja a palavra que mais se encaixa ao recebermos a notícia do abrupto rompimento de um vínculo: a morte de alguém que amamos muito. Depois da rasteira da informação recebida, o primeiro sentimento dolosíssimo nos toma o âmbito emocional e, no âmbito racional, tentamos buscar os meios de compreensão desse momento tão difícil: “Por que ele¿ Por que agora?” São muitos os porquês cujas respostas (quando existem não nos parecem fazer sentido algum. – revela Pe. Lício.
Pe. Lício destaca que a dor da perda, o período de quarenta nos trouxe uma nova dor: como dizer adeus a pessoa amada sem os tradicionais rituais de despedida. Despedidas é parte essencial da vida, despedir-se é validar as experiências vividas com o outro, uma boa relação é aquela que permite que a experiência seja vivida em seu ciclo completo, começo, meio e fim. Portanto, o fim faz parte de um contato saudável.
– Uma das coisas que nos acompanha durante o processo da vida é a necessidade de cuidar dos nossos mortos e esse é um dos sentidos fundamentais dos rituais de despedida.A função de um velório é permitir que possamos sofrer juntos, compartilhando emoções, abraços, afetos, é nos confortar falando da pessoa amada que partiu, a função fundamental de um velório é dizer adeus a pessoa amada.Neste tempo de quarenta pela Covid-19 os velórios estão cercados de restrições: duração máxima de duas horas, poucas pessoas, caixões lacrados etc….O velório como estávamos acostumados a fazer, o despedir-se, as últimas homenagens necessitam serem repensadas e como já disse exacerbam a dor da perda.Esses limites nos forçam a descobrir juntos novas atitudes tais como desenvolver rituais e cerimônias de despidas simbólicas. – comenta.
E neste tempo as cerimonias acontecem de jeito criativo, mas levando aos familiares o conforto espiritual r essa missão o sacerdote aceitou realizar. Uma forma de evangelização e com a palavra da igreja, que tem a missão de consolar e confortar os corações.
– Dou um exemplo. As famílias e os amigos destes 3 amigos que perdi a semana passada, combinamos pelas redes sociais em determinada hora fazer uma prece por elas. Um de nós escreveu o texto e repassamos a um número maior possível de pessoas e no horário combinado estávamos “emocionalmente conectados e juntos, rezando e nos despedindo “.Foi o jeito criativo que encontramos de cultivar intimidade, proximidade, de nos despedirmos delicadeza diante de restrições tão fortes de distanciamento social.Como podemos ressignificar nossas despedidas? Não existe receita, mas devemos fazer exercícios de comunhão. Conversar e compartilhar fotos e vídeos com as lembranças boas e de convivência com a pessoa que perdemos. Ouvir, tocar músicas que a pessoa gostava, criar um momento orante em comum pela pessoa. “Escolher um alimento que do gosto do ente querido e se alimentar, simultaneamente em reuniões online. Plantar uma árvore. São algumas dicas que podem nos ajudar a nos despedir de uma maneira simbólica e significativa e por isso também, vivenciada, o que ajuda muito a ressignificar.- conclui.