Panorama Religioso no Brasil: Perspectivas para as Próximas Décadas com Base no Censo 2022
Prof. Robson Ribeiro – Teólogo, Filósofo e Historiador
O Brasil, historicamente reconhecido como a maior nação católica do mundo, vivencia nas últimas décadas uma significativa transformação em seu panorama religioso. Os dados do Censo Demográfico de 2022, divulgados pelo IBGE, revelam mudanças que apontam para um cenário futuro marcado pela diversidade, pelo declínio da hegemonia católica e pelo crescimento de outras expressões religiosas e não religiosas. Essa transição não é apenas estatística, mas reflete alterações profundas no modo como a sociedade brasileira vivencia e expressa sua espiritualidade.
Segundo os números mais recentes, a população católica representa hoje 56,7% dos brasileiros — uma queda expressiva em relação aos 65,1% registrados em 2010. Ao mesmo tempo, os evangélicos cresceram de 22,2% para 26,9%, somando aproximadamente 47,4 milhões de fiéis. O grupo dos que se declaram sem religião também apresentou aumento, passando de 7,9% para 9,3% da população, o equivalente a mais de 16 milhões de pessoas. Embora menores em proporção, as religiões de matriz africana, como umbanda e candomblé, e outras tradições espirituais, como o espiritismo, o budismo e o islamismo, também figuram no censo, expressando a pluralidade do campo religioso brasileiro.
As projeções para as próximas décadas indicam a continuidade dessa tendência de diversificação. O catolicismo, embora ainda majoritário, tende a continuar sua trajetória de retração, especialmente entre os jovens e nas grandes cidades. Diversos fatores contribuem para esse declínio: a perda de relevância institucional da Igreja em meio à secularização da sociedade, a dificuldade de dialogar com questões contemporâneas e a concorrência com outras tradições religiosas mais dinâmicas em termos de linguagem, estética e presença midiática.
Nesse cenário, o crescimento das igrejas evangélicas — sobretudo as de perfil neopentecostal — tem se destacado. Com estratégias missionárias intensas, forte presença nas periferias urbanas e ampla utilização das mídias digitais e tradicionais, esses grupos têm conquistado um número crescente de adeptos. Além disso, sua atuação social e política tem contribuído para sua visibilidade e influência no cenário nacional. Caso o ritmo atual de crescimento se mantenha, é possível que, entre 2040 e 2045, a religião evangélica ultrapasse o catolicismo em número de adeptos, marcando uma virada histórica no perfil religioso do país. Essa possível superação já foi antecipada por especialistas, que observam que a diferença entre os dois grupos vem diminuindo de forma consistente a cada década.
Outro aspecto importante a considerar é o aumento do número de pessoas que se identificam como “sem religião”. Este grupo não necessariamente representa o ateísmo ou o agnosticismo, mas frequentemente inclui indivíduos que creem em alguma forma de espiritualidade não institucionalizada. Esse crescimento está fortemente ligado à juventude, à urbanização e à valorização da autonomia individual nas escolhas religiosas. Entre os jovens de grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro, pesquisas mostram que os “sem religião” já rivalizam numericamente com os evangélicos e católicos, o que pode indicar um movimento duradouro de desinstitucionalização da fé.
Paralelamente, observa-se um movimento de valorização das religiões afro-brasileiras e de resistência à intolerância religiosa. Embora representem menos de 1% da população, essas tradições têm conquistado espaço no debate público, impulsionadas por movimentos identitários, decoloniais e antirracistas. O reconhecimento oficial, a proteção legal e a presença crescente em ambientes acadêmicos e culturais contribuem para uma revalorização dessas manifestações religiosas.
Diante desse cenário, o futuro do campo religioso brasileiro aponta para uma configuração plural e complexa. A tendência é que o país se afaste cada vez mais do modelo de religiosidade hegemônica para se tornar um espaço de convivência entre múltiplas tradições, crenças e formas de espiritualidade. Isso exigirá, por parte do Estado e da sociedade, maior empenho na garantia da liberdade religiosa, no combate à intolerância e na promoção de um diálogo inter-religioso mais profundo e respeitoso.
Em síntese, os dados do Censo 2022 não apenas revelam a atual composição religiosa do Brasil, mas também projetam um futuro em que a diversidade será a marca mais evidente. Com o avanço dos evangélicos e o crescimento dos “sem religião”, o país caminha para uma transição histórica em que o catolicismo pode deixar de ocupar o posto de religião majoritária. Trata-se de uma mudança que convida à reflexão sobre o papel da religião na vida pública e privada, sobre os desafios da convivência plural e sobre as formas contemporâneas de se buscar o sentido da vida em uma sociedade cada vez mais complexa e em constante transformação.