XV DOMINGO DO TEMPO COMUM – C – Parábola do bom samaritano
Caros irmãos e irmãs,
O Evangelho deste domingo inicia com a pergunta feita por um doutor da Lei faz a Jesus: “Mestre, o que devo fazer para possuir a vida eterna?” (Lc 10,25). Sabendo ser ele um perito nas Sagradas Escrituras, Jesus convida aquele homem a dar ele mesmo a resposta, que de fato formula perfeitamente, citando os dois mandamentos principais: amar a Deus com todo o seu coração, mente e forças e amar o próximo como a si mesmo. Então o doutor da Lei, quase para se justificar, pergunta: “E quem é o meu próximo?” (Lc 10,29).
O escriba responde corretamente à pergunta por ele mesmo formulada. A palavra da Escritura é evidente, mas a maneira como deve ser aplicada na prática da vida pode levantar algumas questões que se debatiam. Na pergunta do escriba há uma dimensão mais profunda do que parece. Em uma perspectiva judaica, a questão trata dos limites do amor ao próximo.
Na época de Jesus, os mestres de Israel discutiam, precisamente, quem era o próximo. Naturalmente, havia opiniões mais abrangentes e opiniões mais particularistas e exclusivistas; mas havia consenso entre todos no sentido de excluir da categoria “próximo” os inimigos, segundo a Lei, o “próximo” era apenas o membro do Povo de Deus (cf. Ex 20,16-17; 21,14.18.35; Lv 19,11.13.15-18). Jesus, no entanto, tinha uma perspectiva diferente. É precisamente para explicar a sua perspectiva que ele conta a parábola do bom samaritano.
Para melhor entender a parábola, convém também ter presente o quadro da relação entre judeus e samaritanos. Trata-se de dois grupos que as vicissitudes históricas tinham separado e cujas relações eram, no tempo de Jesus, bastante conflituosas. A parábola nos situa em uma estrada de cerca de 30 quilômetros, entre a cidade santa de Jerusalém e a cidade de Jericó. Na época de Jesus era uma estrada perigosa, geralmente com a presença de bandos armados. Um homem não identificado, embora, pelo contexto, possamos imaginar tratar-se de um judeu, foi assaltado pelos bandidos e deixado caído na beira da estrada. Trata-se, portanto, de um homem ferido, abandonado e necessitado de ajuda.
Pela estrada passaram sucessivamente um sacerdote, que conhecia a Lei e que exercia funções litúrgicas no templo e um levita, ligado à instituição religiosa judaica e que exercia, também, funções litúrgicas no templo. Ambos passaram adiante: ou o medo de enfrentar a mesma sorte, ou as preocupações com a pureza legal, que os impediam de tocar um cadáver, ou a pressa, ou a indiferença diante do sofrimento alheio, os impediam de parar. Apesar dos seus conhecimentos religiosos, eles não tiveram qualquer sentimento de misericórdia por aquele homem.
Quem ia ao Templo, como o sacerdote, tinha uma desculpa plausível, porque a lei proibia agir no santuário a quem tivesse tocado em sangue ou algo de impuro. Talvez por isso, o sacerdote e o levita se esquivam. A piedade deles é reta segundo a letra da lei; mas inoperante, sem consequências. É uma piedade que se empenha em salvar a si mesmo.
Então aparece no caminho um homem da Samaria, provavelmente um comerciante, que tinha de passar por esta estrada muitas vezes e que era conhecido do proprietário da estalagem mais próxima; um samaritano, portanto alguém que não pertence à comunidade de Israel e não precisava, consequentemente, olhar para o assaltado como seu próximo. No entanto, foi ele que parou, sem medo de correr riscos ou de adiar os seus esquemas pessoais, cuidou do ferido e o curou.
O samaritano parece desconhecer a lei e não conhece suficientemente a grandeza da religião e do seu templo. Ele ama a quem está necessitando e a quem tem em si uma dignidade que só vem de Deus. Ele realiza isto numa consciência clara, mas ele o faz numa disponibilidade generosa, capaz de receber a graça de Deus. O único interesse dele é o outro. O samaritano não exige do homem atacado pelos ladrões nada em troca. Tudo indica que este homem atacado pelos ladrões não o pagará nada; não o devolverá nada, e talvez nem lhe será útil. Mas o samaritano não se preocupou com isto.
Ao concluir a parábola Jesus pergunta ao escriba qual deles foi o próximo daquele homem ferido na estrada. Em sua resposta o legista judeu evita qualquer menção que pudesse resultar em um elogio ao samaritano. Não faz referência a ele, mas responde por meio de rodeios: “Aquele que usou de misericórdia para com ele” (v. 37), ao que Jesus responde: “Vai e faze a mesma coisa” (v. 37).
Esta parábola faz parte de uma série de imagens e narrações tomadas da vida diária, pelas quais Jesus quer fazer compreender o amor profundo de Deus por cada ser humano, especialmente quando se encontra na doença e no sofrimento. Ao mesmo tempo, porém, com as palavras finais da parábola do Bom Samaritano: “Vai e faze a mesma coisa” (Lc 10,37), o Senhor indica qual é a atitude que cada um dos seus discípulos deve ter para com os outros, particularmente se necessitados de cuidados. Jesus espera de nós uma solicitude concreta, como a do bom samaritano, para com aqueles que estão feridos no corpo e no espírito, para quem pede ajuda, ainda que desconhecido e sem recursos.
Recordemos que o próprio Senhor nos deu o exemplo; ele mesmo se fez próximo de nós: sendo Deus se fez homem, veio viver a nossa aventura, partilhar a nossa sorte, para nos dar a sua vida. O amor ao próximo só corresponde ao mandato e ao exemplo de Cristo, se estiver unido ao amor a Deus. Jesus, que dá a vida pelos pecadores, é sinal vivo da bondade de Deus; do mesmo modo o cristão, através da sua generosa dedicação, faz com que os irmãos, com os quais entra em contato, experimentem o amor misericordioso e providente do Pai celeste.
Todos nós podemos também nos colocar no lugar daquele que estava à margem do caminho. Quantas vezes isso pode acontecer com cada um de nós? Quantos vezes também nós sentimos abandonados e à margem do caminho? O relato da parábola do bom samaritano é o que melhor expressa, de acordo com ensinamentos de Cristo, o que é ser verdadeiramente humano. O samaritano é uma pessoa que vê em seu caminho alguém ferido, aproxima, reage com misericórdia e o ajuda no que pode. Não podemos fugir de quem sofre, tal como fizeram o sacerdote e o levita. Isto não é correto. A misericórdia é o princípio fundamental da atuação de Deus e o que configura toda a vida, a missão e o projeto de Jesus.
Perante a dor e o sofrimento, o essencial, segundo o Evangelho, é a misericórdia. Deus enviou o seu Filho, Deus se fez homem para nos salvar, ou seja, para nos dar a sua misericórdia. Jesus diz isto claramente, resumindo o seu ensinamento para os discípulos: “Sede misericordiosos, como o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36). O cristão deve ser necessariamente misericordioso, porque esta é a mensagem central do Evangelho. A partir da fé cristã podemos dizer que a misericórdia é a única ação verdadeiramente humana diante do sofrimento alheio que, uma vez interiorizada, se transforma em princípio de atuação e de ajuda solidária a quem sofre.
O novo nesta parábola é a atitude que Jesus exige frente à lei e frente à vida do próximo: o amor. O amor será sempre necessário e exigirá o compromisso pessoal e voluntário. Quem ama e serve gratuitamente o outro como próximo, vive e age segundo o Evangelho e participa da missão da Igreja. Possa a atitude do bom samaritano inspirar todas as nossas ações ao longo da nossa vida. Peçamos a intercessão da Virgem Maria, para que possamos ser artífices da solidariedade e novos construtores da civilização do amor e da fraternidade. Assim seja.
D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ