Celulares na Escola: Distribui-los Gratuitamente ou Proibi-los?

 Pe. Anderson Alves – Diocese de Petrópolis

  1. Spitzer, em “Die Smartphone Epidemie”, trata diversas vezes o tema do uso dos smartphones nas escolas. Ele recorda que em 2018 o parlamento francês estabeleceu a proibição absoluta do celular e dos dispositivos semelhantes (como os tablets) nas escolas. Após essa decisão muito se discutiu na Alemanha, ainda que não haja muito que discutir, pois os dados falam por si mesmos e parece terem sido bem expostos e entendidos pelo presidente Macron e por sua esposa, que é professora de profissão.

Na Alemanha, a presidente da Associação Bávara dos Professores, Simone Fleischmann, atacou duramente a decisão do governo francês com uma série de argumentos que são bem conhecidos e usados. Spitzer expõe esses argumentos e os rebate:

1) Os celulares fazem parte da vida das crianças e dos jovens; portanto, eles devem aprender a usá-los o quanto antes;

2) Ao proibir os celulares, eles são retirados da mente das crianças; a fixação permanece, mesmo que os aparelhos não estejam presentes na escola;

3) A sociedade do futuro será digital e essa tendência não pode ser de modo algum modificada;

4) Naturalmente, podemos fazer das nossas escolas zonas protegidas, livres dos celulares. Mas quando os jovens saírem delas, eles estarão expostos aos problemas referidos a eles e ao confronto internacional sobre esse tema;

5) Se não for na escola, onde mais poderiam os jovens aprender a fazer um bom uso das tecnologias?

6) A educação para o uso dos meios digitais deve ser bem pensada e programada. Por isso todos os estudantes deveriam ter nas suas mãos um celular pessoal para ser usado nas aulas.

Segundo Spitzer, esses argumentos parecem plausíveis, mas depois de um exame profundo, eles se demonstram vazios, sem nenhuma substância. De fato, é possível facilmente responder a esses argumentos.

Ao primeiro argumento, de fato, pode-se dizer que muitos elementos fazem parte da vida de milhões de crianças, mas isso não significa que sejam positivos. Fazer refeições diante da TV, respirar ar poluído nas cidades, frequentar escolas sujas e mal cuidadas (às vezes, não falta dinheiro para ter acesso à internet nas escolas, mas nas escolas falta água potável, banheiros e salas limpas), comer alimentos não saudáveis e bem preparados nas escolas, ver na TV cenas de violência e publicidade de álcool e tabaco, habituar-se à presença de drogas nos pátios das escolas, fazer pouco movimento ao ar aberto e passar muito tempo diante das telas digitais, perder uma ou duas horas de sono de noite etc., tudo isso é habitual e faz parte da vida dos nossos jovens, mas isso não significa que eles deveriam se habituar a esse estilo de vida. Deveríamos, porém, preocupar-nos em lhes proporcionar um gênero melhor de vida.

Trataremos dos demais argumentos nos seguintes artigos e convidamos aos nossos leitores a refletirem seriamente sobre esses temas.

Há outros argumentos dados pelos que pretendem permitir ou promover o uso dos celulares por parte de crianças nas escolas. Hoje vamos falar de outros, os quais são expostos e respondidos por M. Spitzer no seu livro sobre a “Epidemia do Smartphone”.

O segundo argumento diz: “ao proibir os celulares, não se retira os mesmos da mente das crianças. O problema permanece, mesmo que os aparelhos não estejam presentes na escola”. A isso, pode-se responder com o seguinte ditado: “longe dos olhos, longe do coração”. Há estudos, e falamos deles em outros artigos, que demonstram que quando o celular está na mesa de estudos o seu efeito de distração é muito grande, o efeito negativo deles é maior do que quando é deixado em outro ambiente da casa, desligado. Dizer que se proibimos os celulares, eles não saem das nossas mentes, é algo que contradiz os fatos, demonstrado inclusive por via experimental. Os jovens não necessitam de celulares e de computadores para estudar, mas sim de silêncio, de um local limpo e ordenado, de livros, papel, lápis, caneta e uma boa dose de concentração e paciência. Só se constrói algo sólido e duradouro quando se dedica muito tempo a essa tarefa, e ela é feita com qualidade.

Outro argumento diz simplesmente: “o mundo atual é digital, e isso é um fato. Nada poderá modificar isso no futuro; e devemos habituar as crianças ao novo mundo”. Em geral, recorre-se a esse tipo de discurso quando não se sabe mais o que dizer. Agora façamos um experimento mental e usemos esse tipo de argumentação para outros assuntos semelhantes. Poderíamos dizer: “o amianto está em nossas casas, e isso é um fato indiscutível; o chumbo está na tinta branca e na gasolina, e isso é outro fato; o álcool sempre foi usado pelas pessoas, por isso, as crianças devem se habituar a isso”?

Se pensássemos desse modo, as nossas crianças deveriam continuar a conviver com essas substâncias nocivas e sofrer o efeito delas. Assim, ao frequentar ambientes com esse tipo de substâncias, as crianças iriam continuar a contrair graves doenças de pulmão, a sua capacidade intelectiva seria diminuída e enfrentariam o drama da dependência, com tudo que decorre dela. Entretanto, nós eliminamos a tubulação de chumbo e o amianto das nossas construções exatamente porque conhecemos os perigos desses materiais. Assim, ninguém poderia dizer razoavelmente hoje: “um pouco de chumbo ou de amianto não faz mal a ninguém”. E nós não promovemos o uso de bebidas alcoólicas nas escolas com o fim de educar nossas crianças ao seu uso responsável, pois simplesmente sabemos que o álcool causa dependência e compromete o desenvolvimento cerebral.

Entretanto, os telefones celulares têm uma série de efeitos nocivos sobre a saúde das crianças e causam dependência. Os seus efeitos sobre a saúde e o comportamento dos jovens é bem maior do que o efeito nocivo de substâncias como o chumbo, ou amianto, a fumaça do cigarro e o álcool. Há ainda outros argumentos sobre o tema, que serão tratados em outros artigos.

Outro argumento a favor dos celulares nas escolas – é o quarto argumento apresentado até agora – é o seguinte: “nós podemos fazer das nossas escolas zonas protegidas, livres dos celulares. Mas quando os jovens saírem delas, estarão expostos aos problemas relacionados com a tecnologia e à discussão sobre esse tema, que envolve a comunidade internacional”.

Spitzer diz que as crianças necessitam de zonas protegidas do celular. Por essa razão que não permitimos às nossas crianças de irem nas zonas das cidades onde se consume drogas, pratica-se a prostituição ou é altamente perigoso devido à criminalidade. Com o celular em mãos, é como se as nossas crianças tivessem acesso a todas essas realidades (à pornografia, à prostituição, às drogas e à criminalidade). Além disso, os celulares comprometem os processos de aprendizado, e exatamente por isso eles deveriam ser proibidos nas áreas dedicadas ao estudo. Se as crianças forem educadas a isso e souberem dos seus riscos, estarão preparados para discussões maturas e responsáveis, seja na própria sociedade, seja na comunidade internacional.

O quinto argumento diz: “se não for na escola, onde mais poderiam os jovens aprender a fazer um bom uso das tecnologias”? A isso respondemos com os estudos feitos até agora. Um estudo diz que somente uma criança entre 25 aprende a usar as tecnologias digitais nas escolas, enquanto outras 24 já a usam antes. O argumento que diz que devemos desenvolver nas crianças a familiaridade com as novas tecnologias portanto não funciona. Ao contrário, dada a alta frequência do seu uso fora das escolas, deveríamos nos esforçar para que os jovens aprendam a necessidade da redução do uso das tecnologias digitais, e o melhor lugar para se ensinar isso seria a escola (depois da família, evidentemente). De fato, os celulares geram dependência. E como se combate a dependência de certa substância, como o álcool ou a droga? A resposta é simples: não usando jamais essa substância. Nenhum programa de reabilitação contra a dependência prevê um consumo moderado ou reduzido da substância nociva, pois seria reduzido o consumo de uma substância que só gera danos.

Um último argumento diz: “a educação para o uso dos meios digitais deve ser bem pensada e programada. Por isso todos os estudantes deveriam ter nas suas mãos um celular para ser usado nas aulas”. A esse argumento podemos responder com os dados que a ciência já possui: a distribuição gratuita dos celulares é acompanhada regularmente da queda dos resultados dos rendimentos escolares. Esse fenômeno foi estudado no âmbito de uma pesquisa: foram distribuídos a estudantes iPhones e, depois de um ano, eles foram interrogados sobre os seus resultados escolares. Os estudantes relataram um aumento das distrações e o pioramento do seu rendimento escolar, perceptível nas suas médias finais.

Por esses e outros dados que os celulares deveriam ser proibidos nas escolas, como um bom número de países já o faz, e não promovidos. A minha opinião pessoal é que deveriam ser inclusive proibidos no ambiente universitário, pois hoje são um mero mecanismo de distração e raríssimas vezes são usados para o estudo e a formação. Não adianta ocultar ou maquilar a realidade. Ela deve ser conhecida e, se for negativa, melhorada.

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