DE QUEM É O PECADO?
Anísio Baldessin
O primeiro, dos cinco mandamentos da Igreja Católica é: “Participar da Missa inteira aos domingos, de outras festas de guarda e abster-se de ocupações de trabalho”. Aliás, esse mandamento que consta no Código de Direito Canônico, cân. 1246-1248) (§2042), ordena aos fiéis que santifiquem o dia em que se comemora a ressurreição do Senhor e as festas litúrgicas.
Por essa razão, de vez em quando, alguns fiéis, antes da missa, me procuraram dizendo que precisam se confessar. “É rápido padre”, costumam dizer. E é rápido mesmo. Pois na maioria das vezes, é para falar que sentiu muita raiva de alguém, falou palavrão, perdeu a paciência e claro, pedir perdão por ter faltado à missa dominical.
Quase ninguém confessa alguns pecados praticados dentro da própria casa, no trabalho ou na rua tais como: usar linguagem e palavras agressivas no trato com as pessoas, não respeitar os direitos dos outros, corromper, dar gorjetas (propina) para escapar de punições mais severas, ser desonesto nas negociações, buscar na lei, brechas para não pagar o que é devido, ou então para se apropriar de bens ilícitos, se aproveitar da inocência e da fragilidade para obter vantagens, pagar o mínimo possível para o prestador de serviço entre outros. Tudo isso, sem contar as famosas “furadinhas” de filas, tentar comercializar algo que você sabe que é ruim afirmando que o produto é boa qualidade, fazer o famoso “GatoNet”, dar uma de experto no trânsito tirando a vez do outro ao trafegar pelo acostamento e outras que deixo a cargo do leitor.
Faz-me refletir a atitude de alguns que, para cumprir uma norma religiosa, não trabalham aos sábados e/ou dias sagrados, fazem jejum, não comem determinados alimentos (carne de porco), não ingerem bebidas alcoólicas, ou então não usam vestimentas e adornos para não desagradar a Deus. No entanto, não tem nenhum escrúpulo em desagradar e aborrecer aqueles com os quais convivem ou são próximos deles. Certamente, acreditam que os ritos religiosos são mais importantes do que as atitudes.
E quem não tem oportunidade de participar dos rituais (missa, cultos) ou não conhecem as normas religiosas, está realmente cometendo um pecado? Se a resposta for sim, nós católicos deveríamos perguntar, de quem é o pecado? Afinal, se todos os católicos levassem a sério este mandamento e decidissem participar da missa no domingo, teríamos um grande problema.
Ou seja, onde iríamos fazer a celebração uma vez que nossas Igrejas, nem mesmo as grandes catedrais, dispõem de espaços físicos suficientes para acolher todos os que se declaram católicos. Basta observarmos o que acontece nas ocasiões festivas, quando as celebrações são realizadas do lado de fora da Igreja. Atrelado a falta de espaço físico, está um outro desafio ainda maior que é o número insuficiente de padres. Prova disso é que em muitas regiões do Brasil e do mundo, a missa é celebrada apenas duas, uma, ou nenhuma vez durante o ano. Nestes casos, de quem é o pecado? Do fiel que não vai à missa no domingo, ou da Igreja que não proporciona condições para ele participar?
Anísio Baldessin, padre da Ordem de São Camilo, é Pró-reitor Administrativo do Centro Universitário São Camilo de São Paulo