Fé e direitos fundamentais

Frei Darlei Zanon

Quando falamos de governos totalitários, falta de democracia, ditadura ou autoritarismo, diversas imagens vêm à nossa mente. O fascismo e o nazismo ocupam certamente um posto central, pela crueldade que promoveram. Do mesmo modo o comunismo no Leste Europeu que também fez milhares de vítimas, realidade denunciada e combatida pelo Papa João Paulo II. O grande problema é que os governos autoritários não são coisas do passado: ainda continuam espalhados pelos cinco continentes. Exatamente por isso o Papa Francisco nos convida a rezar durante este mês “por aqueles que arriscam a vida lutando pelos direitos fundamentais nas ditaduras, nos regimes autoritários e também nas democracias em crise”.

A intenção de oração do Papa procura valorizar e reafirmar os direitos humanos fundamentais. Uma ditadura ou uma nação em crise condiciona não apenas a democracia, mas tantos outros direitos, como a liberdade de expressão, liberdade de ir e vir, liberdade política e ideológica, liberdade religiosa e assim por diante. Segundo dados do Observatório do jornal The Economist, avaliando o índice de democracia mundial, temos atualmente cerca de 50 países considerados “regimes autoritários”, com diferentes níveis de agressão aos direitos humanos fundamentais. A América Latina foi a região que mais diminuiu a sua pontuação nos últimos anos, relativa ao “índice de democracia” que avalia diversos fatores como processo eleitoral e pluralismo, liberdades civis, funcionamento do governo, participação política e cultura política.Não é difícil entender o porquê quando acompanhando minimamente a situação dosnossosvizinhos e do próprio Brasil.

O Papa Francisco tem insistentemente denunciado todos os tipos de abuso de poder e de autoridade. Na sua última encíclica, Fratelli tutti, questiona: “Que significado têm hoje palavras como democracia, liberdade, justiça, unidade? Foram manipuladas e desfiguradas para utilizá-las como instrumento de domínio, como títulos vazios de conteúdo que podem servir para justificar qualquer ação” (n. 14). Além disso, todo o capítulo 5 da encíclica sobre a amizade e a fraternidade social é dedicado à construção de uma “Política melhor”.

Também nos Angelus dominicais e nas suas diversas mensagens é recorrente a denúncia à perseguição religiosa – estima-se que cerca de 250 milhões de cristãos sofrem algum tipo de perseguição a cada ano –, e à perseguição política, ideológica, étnica, cultural e econômica. Perseguições a povos inteiros, que são exterminados ou devem abandonar a própria terra natal. O fenômeno atual da migração que tem sobretudo a Europa como destino é em grande parte causado por estas perseguições étnicas e religiosas. Pessoas de diversos países buscam desesperadamente refúgio na Europa, que apesar de todas as suas dificuldades é quem consegue hoje melhor garantir a democracia e os direitos universais.

Em um belíssimo livro entrevista ao sociólogo francês Dominique Wolton, o Papa Francisco explica como entende o papel da Igreja na política, e isso pode nos iluminar ao refletir e rezar ao longo deste mês por todos “aqueles que arriscam a vida lutando pelos direitos fundamentais nas democracias em crise”. Assim diz o Papa: “Na política, a Igreja deve servir construindo pontes: este é o seu papel diplomático. Pontífice: essa palavra resume a atitude de Deus para com a humanidade, e esta deve ser a atitude da Igreja e dos cristãos na política. Construir pontes. Devemos construir pontes como fez Jesus, nosso modelo, enviado pelo Pai para ser o “Pontífice”, aquele que constrói pontes. Na minha opinião, é aqui que reside o fundamento da ação política da Igreja. Quando a Igreja se envolve com a política inferior, ela deixa de fazer política. Existe a grande política e, em seguida, existe a pequena política partidária. A Igreja não deve estar interessada em política partidária” (Um futuro de fé, p. 30).

Não nos faltam testemunhos de católicos que dedicaram a sua vida na luta pelos direitos fundamentais, contra sistemas ditatoriais. Tantos mártires reconhecidos e tantos outros desconhecidos que certamente merecem os altares. Apenas para citar um exemplo, em 2018 o Papa canonizou Dom Oscar Romero, incansável apóstolo dos direitos humanos martirizado no ano 1980 enquanto celebrava a missa em San Salvador. Assim se manifestou o Papa certa vez sobre o santo latino-americano: “Em tempos de coexistência difícil, Romero soube como guiar, defender e proteger o seu rebanho. Damos graças a Deus porque concedeu ao bispo mártir a capacidade de ver e ouvir o sofrimento de seu povo. Quando se entende bem e se assume até as últimas consequências, a fé em Jesus Cristo cria comunidades artífices de paz e solidariedade”.

Que o exemplo de Dom Oscar Romero e de tantos outros santos nos inspire e ajude a rezar com o Papa Francisco por todos os que ainda hoje lutam contra os regimes autoritários.

Religioso Paulino

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